Há um certo tipo de pessoas que tem inclinação para a inortodoxia. Lembro-me que, quando era mais novo, achava um tédio saber as principais capitais europeias e, em contrapartida, o máximo saber que capital da Papua Nova Guiné era Port Moresby ou que a maior cidade da Gronelândia era Nuuk. E fazia questão de esfregar isto na cara dos meus colegas – que muitas vezes via como uns ‘totós baunilha fotocópias uns dos outros’. Lembro-me de não querer ser confundido com eles.
Na primária iam para o colégio impecáveis: cabelo penteado, fralda da camisa por dentro das calças, cheirosos e polidos – perfeitos para um anúncio insosso da Mike Davis. Já eu, apesar dos esforços contrários da minha mãe, fazia questão de me desarrumar antes de entrar no colégio: camisa – «bah, camisa, que treta!» – para fora das calças, mochila a dar-me pelo rabo e a curtir Da Weasel no walkman enquanto bebia o meu leitinho achocolatado. Escrevo sobre uma época em que os Morangos com Açúcar – o maior marco da minha geração em Portugal – dividiam o Colégio da Barra entre dreads e betos. E eu, que recebi uma educação católica e por isso era beto de uma ponta a outra, fazia questão de agir como dread – numa contínua tentativa de fugir àqueles que eram os lugares-comuns da minha vida. Saudades Morangos, saudades Manel.
Houve, portanto, desde sempre, uma certa fobia a lugares-comuns de mãos dadas com o gosto pela inortodoxia. Reparo que não sou um caso isolado, considerando que, atualmente, ‘ser alternativo’ é o lugar mais comum do mundo e que os jovens católicos são os punks do mundo moderno – ou seja, aqueles ‘bichos’ que todos olhamos com alguma estranheza. Noto ainda que os segundos tendem a ser mais interessantes que os primeiros. Tentemos, contudo, evitar caixinhas e foquemo-nos nos ‘alternos’ para lá dos NOS Primavera Sound. Foquemo-nos, por exemplo, no astrónomo senegalês que gosta de música japonesa e literatura medieval escandinava. Eu quero convidar esta pessoa para jantar: são camadas sobre camadas de interesses afunilados sobre nichos que não dizem nada ao comum mortal, mas que a mim despertam imensa curiosidade.
É o tal gosto pelo pequeno que ‘ninguém’ quer saber, como a capital da Papua Nova Guiné. Este pequeno lugar – esta pequena toca na qual temos de ter cuidado à entrada para não bater com a cabeça – é, para mim, um mundo mágico! Bem mais interessante do que o rapaz que estudou Gestão na Católica, adora ouvir Wet Bed Gang, não lê porque ‘não tem tempo’ e vai, orgulhoso de si, ser espremido para uma Big Four. Enquanto o ‘jovem de sucesso’ é um pão insosso, o senegalês é um caldeirada de marisco!
É o gosto pelo anime que um dos meus melhores amigos tem. É o gozo que dá descobrir artistas Libaneses e Islandeses no Spotify. É o gozo que dá ir ler os jornais regionais do século passado. É o gosto pelo ‘pequeno’, pelo que ‘é esquecido’, pelo que ‘não interessa’, pelo que ‘não vende’, pelo ‘doido’. É o gozo que dá aprender algo novo – que só é tanto pois houve um caminho sozinho para lá se chegar. É levar a alma a passear e descobrir coisas maravilhosas. Descobrir, explorar, afunilar e expandir o afunilamento dos nossos interesses são os pigmentos da tinta com que pintamos a parede da nossa alma. Sempre com desenhos loucos e com as cores mais exóticas possíveis – pois quem é que quer ter uma alma igual à dos outros?