O juiz de instrução ilibou, esta sexta-feira, o antigo primeiro-ministro José Sócrates de ir a julgamento responder por crimes de corrupção na Operação Marquês. Ivo Rosa arrasou a acusação do Ministério Público (MP) durante a leitura da decisão instrutória e só pronunciou o antigo primeiro-ministro de seis crimes, três de branqueamento de capitais e outros três de falsificação de documento. Dos 189 crimes que constavam na acusação da Operação Marquês, só 17 vão a julgamento, distribuídos por cinco dos 28 arguidos.
Após ser conhecida a decisão instrutória do processo Operação Marquês seguiram-se as reações.
Em comunicado, a Ordem dos Advogados defendeu que o MP deve dar explicações sobre o que se passou no processo e destacou que a situação justifica uma "profunda reflexão sobre o funcionamento da Justiça”. “Quando uma acusação do Ministério Público é rejeitada na sua maior parte por um juiz de instrução, invocando mesmo deficiências na formulação dessa acusação ou falta de prova dos factos alegados, torna-se essencial que sejam prestadas explicações públicas sobre o que se terá passado para que tal tenha ocorrido”, lê-se numa nota do organismo liderado por Luís Menezes Leitão, acrescentando que a Ordem espera “que o Ministério Público preste as devidas explicações sobre o que se passou neste processo”.
O primeiro-ministro foi questionado sobre o assunto à saída do velório do histórico socialista Jorge Coelho e, por isso, considerou que não era altura para falar sobre esta matéria. “Já tinha dito tudo o que tinha a dizer em outubro de 2014”, frisou. “Não tenho nada a acrescentar”, destacou. Em novembro de 2014, logo após o anúncio da detenção de José Sócrates, Costa escreveu uma carta aos militantes pedindo que separarassem as águas da política e da justiça.
Já Ana Gomes considerou que a decisão instrutória sobre a Operação Marquês foi "arrasadora para o Ministério Público" e rejeitou que o antigo primeiro-ministro tenha conseguido uma vitória.
“O arraso por incompetência do Ministério Público fica claro, por exemplo, nas considerações que o juiz [Ivo Rosa] faz sobre vários factos que ele até não diz que não possam ter ocorrido, mas que estão prescritos. Quando a investigação foi feita já estavam prescritos”, disse a antiga eurodeputada socialista à agência Lusa, mostrando-se “muito preocupada” com a interpretação dos factos “completamente discrepante” entre o MP e a decisão hoje anunciada.
“Não tenho dúvidas que o juiz acaba por declarar e acusar de corrupção José Sócrates. Acusa-o de branqueamento de capitais, porque na base está o crime subjacente da corrupção”, afirmou. “Não está aí nenhuma vitória do engenheiro José Sócrates, que conseguiu ver-se livre de algumas acusações na base de um erro do Ministério Público”, acrescentou.
Por sua vez, o antigo procurador-geral da República (PGR) Pinto Monteiro, que iniciou funções quando José Sócrates era primeiro-ministro, considerou que o juiz Ivo Rosa lhe merece “toda a consideração”.
“Merece-me toda a consideração, como outros. Se tivesse decidido ao contrário, diria a mesma coisa”, afirmou à agência Lusa, recusando comentar a decisão em concreto. Ivo Rosa, como “todos os juízes portugueses, salvo aqueles que foram punidos, expulsos, etc., são imparciais e sérios. Podem errar, mas isso é próprio do ser humano”, sublinhou.
O mesmo não considerou Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica, que disse que Ivo Rosa “parecia o advogado de defesa de José Sócrates”.
Do lado dos partidos, fonte oficial social-democrata adiantou à Lusa que o presidente do PSD, Rui Rio, convocou para sábado uma reunião da Comissão Permanente do partido para analisar a decisão instrutória, enquanto o presidente do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, considerou que o sistema judicial mostrou “que está doente” e defendeu que “o povo não entende” a decisão instrutória que ilibou Sócrates dos crimes de corrupção.
Do lado do Chega, André Ventura expressou um "sentimento de revolta e frustração". "É evidente, perante todos, que a decisão que hoje foi conhecida, de deixar cair os crimes de corrupção ligados a José Sócrates, muitos deles por razões de prescrição, causa-nos enorme perplexidade, sentimento de revolta e de frustração. É um ultraje o que hoje aconteceu. É mais um tiro no edifício do Estado de Direito, na crença da democracia em Portugal e um enorme aumento de frustração e revolta dos cidadãos face à nossa democracia, que, de facto, está doente", disse André Ventura, num vídeo divulgado à imprensa.
No Facebook, João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, disse que a “democracia ficou hoje mais frágil” e alerta que “quando as instituições democráticas se revelam pouco consistentes só fortalecem quem as quer atacar”.
Mais à esquerda, Catarina Martins recorreu ao Twitter para escrever que “a instrução do Processo Marquês deixa muitas questões em aberto para o recurso, mas também expõe grandes fragilidades que põem em crise o funcionamento da Justiça”. Para a líder do BE este processo levanta ainda “questões de legislação, em particular quanto aos prazos de prescrição de crimes de corrupção”.
Mais tarde, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) também reagiu e considerou que a confiança na Justiça não se pode basear num único processo.
“Eu penso que a confiança na Justiça não se pode basear num único processo, por muito importante que ele possa parecer aos olhos da sociedade e tendo em conta as pessoas envolvidas nesse processo”, afirmou o secretário-geral do SMMP, Paulo Lona, citado pela Lusa.
De realçar que o procurador do MP Rosário Teixeira anunciou que ia apresentar recurso da decisão para o tribunal da Relação de Lisboa. A saída do Campus da Justiça, Sócrates, declarou que “todas as grandes mentiras da acusação hoje caíram” e que “prenderam e difamaram durante sete anos um inocente”.
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