O episódio do sofá na reunião da presidente da Comissão Europeia e do presidente do Conselho Europeu com o presidente da Turquia é um exemplo ilustrativo dos problemas da União Europeia. Por si só foi uma humilhação infligida pelo líder turco e uma demonstração das fragilidades institucionais da União Europeia. Mas também simboliza a incapacidade de afirmação europeia, patente na inaptidão em gerir o processo relativo à vacinação da covid-19.
A fragilidade da União Europeia foi visível na ausência de reação dos seus representantes perante a arrogância com que Erdogan tratou os líderes europeus, humilhando de forma diferente ambos e expondo as dificuldades de articulação entre eles. Já agora, para além de não se terem dado ao respeito, ainda assistimos à indelicadeza de Charles Michel em relação a Ursula Von der Leyen.
Mas este foi apenas mais um sinal da fraqueza da União Europeia. Na verdade, apesar da promoção do alegado sucesso da União Europeia no processo de aquisição conjunto de vacinas contra a Covid-19, o que se constata (cada vez com maior clareza) é que as coisas estiveram longe de terem corrido bem. Para além de mal negociadas, incapazes de assegurar atempadamente a desejável imunidade de grupo de tal modo que vários países europeus já negoceiam bilateralmente a aquisição de vacinas à margem da aquisição conjunta, a União Europeia não toma uma iniciativa eficaz para aumentar a capacidade produtiva, parece bloquear deliberadamente a autorização de vacinas para além das financiadas por esta e nem sequer consegue consensualizar uma posição em relação aos problemas da vacina da AstraZeneka.
Não tinha de ser assim. A União Europeia e o mundo vivem uma crise sem precedentes e cada compasso de espera, cada hesitação, cada insucesso, paga-se no imediato com perda de vidas e a prazo com a debilidade económica com consequências cada vez mais sérias. Nem tudo é inevitável. E é grave que se esconda a incompetência atrás de oportunas posições populistas tão radicais quanto irresponsáveis e inconsequentes como a defesa da quebra das patentes (já agora, ainda nem há patentes) que não resolvem problema algum, antes pelo contrário.
O problema não é de patentes e da sua quebra. O problema é de produção, mas, ainda antes, de incapaz negociação na aquisição das vacinas.
Aliás, atentem-se os exemplos do Estados Unidos da América, de Israel ou do Reino Unido. Nenhum destes países recorreu à quebra das patentes. Negociaram melhor, estão bem à frente da União Europeia no processo de vacinação, evitarão mais mortes e sobrecarga dos sistemas de saúde e mais rapidamente irão recuperar as suas economias.
As dúvidas sobre a capacidade da União Europeia corrigir o caminho seguido são legítimas perante a situação em que se encontra nesta crise. O recente episódio sobre a incapacidade de tomar uma posição comum relativamente às restrições na idade para a administração da vacina da AstraZeneka, com o ridículo de observar cada país a indicar uma idade diferente, transmite insegurança e provoca desconfiança. Ainda assim é possível mudar. Em vez de se esconder nos incumprimentos dos contratos e nos problemas das vacinas, a União Europeia deve empenhar-se em negociar o aumento da produção, identificando e mobilizando recursos e avaliando com rapidez a possibilidade de utilização de outras vacinas.
O que está em causa são as pessoas, a economia e a própria União Europeia. Exige-se humildade admitindo o erro e empenho em corrigi-lo.