O antigo primeiro-ministro José Sócrates dispara críticas em todas as direções num artigo publicado esta segunda-feira no Público.
José Sócrates sublinha que a Operação Marquês, da qual continua a ser o principal arguido embora a decisão de Ivo Rosa tenha deixado cair a esmagadora maioria dos crimes de que estava acusado, é um processo político e não judicial.
O ex-governante garante que não cometeu “nenhum crime” e que foi incriminado para o impedirem de se candidatar a Presidente da República e para legitimar as políticas de austeridade do Executivo que sucedeu ao seu.
A Operação Marquês “em dois pontos constituiu um sucesso absoluto – o PS perdeu as eleições legislativas e o candidato Marcelo Rebelo de Sousa pôde ser eleito sem que o PS apoiasse qualquer candidato presidencial, o que aconteceu pela primeira vez na democracia”, escreveu Sócrates, acrescentando: “No entanto, como tantas vezes aconteceu na história, o golpe, vítima do seu próprio êxito, escapou das mãos dos seus artífices. A extrema-direita viu nele a oportunidade para julgar o regime e a democracia – afinal de contas era um antigo primeiro-ministro acusado de corrupção”.
Mas Sócrates vai mais longe e defende que “o processo Marquês, e as diversas cumplicidades que com ele se estabeleceram, constituiu um marco importante no nascimento e afirmação do primeiro partido da extrema-direita no Portugal democrático”.
“Quando chegou a primeira imagem da detenção”, continua, “estava tudo a postos: O clima de ódio instalado, a televisão da lei e da ordem atribuída à Cofina e o futuro chefe da extrema-direita com emprego – o de comentador principal da Operação Marquês”, escreve, referindo-se a André Ventura. “A televisão dá-lhe visibilidade e o líder do partido a oportunidade de se lançar na política. Depois de um pequeno teste numa campanha municipal e de uma primeira fala sobre ciganos, fica absolutamente claro que a direita salazarista nunca deixou de existir e fica igualmente claro o que quer ouvir”, acrescenta o antigo primeiro-ministro.
Sócrates guarda ainda uma parcela de responsabilidade para a esquerda, acusando-a de ficar em silêncio e de, assim, ajudar ao “caldo cultural que esteve no bojo do processo Marquês, que o permitiu e que o impulsionou. E ao qual a esquerda – toda a esquerda – assistiu em silêncio”.
A terminar, faz questão de elencar as acusações do Ministério Público que o juiz Ivo Rosa desconsiderou na decisão instrutória do caso.
“Que fique claro que as acusações de corrupção no TGV, na diplomacia económica com a Venezuela, em Vale do Lobo, na PT e na ligação aos interesses do BES eram fantasiosas, incongruentes e sem nenhuma lógica, para usar as expressões do juiz. E, todavia, tive que as ouvir todos os dias reproduzidas nas televisões como se fossem factos provados. E, todavia, foi por elas, com base nelas, que foi decretada a prisão, pormenor que os moralistas de turno decidiram pôr de lado, por inoportunidade”, sublinha.
“Bom, a batalha foi longa e dura, mas a solidão do combate deu-lhe uma beleza singular. Houve momentos em que parecia nada mais existir, a não ser essa vontade interior que “mantém acordada a coragem e o silêncio”. Não, não esqueço a ignomínia, mas celebro a oportunidade de vencer esta etapa. E vencerei a próxima porque nunca cometi nenhum crime. Para alguns esta foi a vitória possível. Talvez. Seja como for, só amamos as batalhas difíceis”, conclui Sócrates.