Por José Manuel Azevedo
Economista
Há dias, Rui Paiva, fundador e CEO duma conhecida tecnológica, colocava um post no LinkedIn em que alertava para a saída de bastantes portugueses, na quadra pascal, para o estrangeiro, fosse para destinos de praia ou de neve; interrogava-se ele, e bem, sobre se seriam adoptados ‘mecanismos de salvaguarda’ (expressão minha, neste caso para significar ‘de detecção’) de eventuais contágios que pudessem advir após o regresso ao trabalho ou às escolas.
2492 reacções e 180 comentários depois, apeteceu-me escrever mais umas linhas a propósito da pandemia que nos tem mantido fechados em casa, confinados, por já dois longos períodos, o mais recente dos quais acaba de terminar.
A ‘saga’ das vacinas
1.Portugal adere ao processo de negociação e compra colectiva de vacinas aos distintos fabricantes, que a União Europeia lidera. Por aparentes dificuldades de produção, prazos de entrega de milhões de doses contratadas não são cumpridos, com evidentes repercussões sobre qualquer plano de vacinação, por melhor pensado que tivesse sido. Entretanto, a vacina da AstraZeneca é suspensa numa série de países, Portugal incluído. Não me cabendo qualquer consideração sobre o mérito técnico da decisão, não pensámos nas consequências de percepção que tal suspensão iria provocar nos portugueses, ainda mais hoje, em que os ditames das redes sociais valem mais do que qualquer opinião científica?
2.Não sendo adepto de teorias da conspiração (não acredito em bruxas, mas que as há, há) não se dará o caso de esta suspensão ser uma forma de tentativa de demonstração de poder da União Europeia sobre o Reino Unido, hoje já fora dela?
E o que dizer sobre os testes?
3.Quando tínhamos das mais elevadas taxas de testagem da Europa a 27, valiamo-nos disso para explicar por que razão tínhamos tantos ou mais casos de covid por milhão de habitantes (já passado o ‘milagre português’…) do que países com a mesma população que nós. Não nos vejo, hoje, nem a testar tanto, nem a aceitar que duma testagem inferior pode resultar menor detecção de infecções, reduzindo ‘artificialmente’ as incidências e o Rt. Coerência e honestidade, precisam-se!
4.Veja-se uma grande demonstração de descoordenação recente: nas fronteiras terrestres, algumas das quais ainda hoje fechadas (e bem!), não há testagem à entrada. Porquê? MAI diz que a decisão compete ao Ministério da Saúde, este diz que a competência é do MAI. Em que ficamos? Bem, ficamos sem testar quem entra, disso é que não temos dúvida nenhuma. Pelo menos por enquanto…
Confina, desconfina; desconfina, mesmo?
5.Iniciou-se no dia 5 a primeira fase do segundo processo de desconfinamento. Antes disso, os portugueses teriam que respeitar o dever geral de recolhimento e, aos fins de semana, não passar entre concelhos. Aqueles que invocassem ou demonstrassem razões relevantes – por exemplo, impossibilidade de ‘teletrabalhar’ – lá podiam fazê-lo… Pergunto, e aqui a ligação ao post do Rui Paiva, todos os portugueses que se ausentaram já na semana passada, dentro ou para fora de Portugal (num período em que se aplicavam restrições até mais severas do que as anteriores) fizeram-no por motivos profissionais? Parafraseando Ricardo Araújo Pereira a propósito de outro tema, ‘férias qualificam’?
6.E as esplanadas abriram, logo num dia solarengo!! Fartos de estar em casa, de não conviver com amigos, de ter que beber uma ‘bica’ pedida ao postigo, de dali ter que sair para uns metros ao lado e saborear a sanduíche ou o bolo comptado, etc., etc., eis as esplanadas ‘a bombar’ de portugueses, cheias que nem uns ovos. Mesas de quatro. Mas… e a lotação? Alguém a respeita? Ainda há dias um amigo do Norte me enviou umas fotografias tiradas em esplanadas à beira-mar; o que é que se via? Além de filas de espera bem grandes, viam-se mesas não suficientemente espaçadas e os quatro convivas sem máscara, podendo assegurar-vos que não estavam todos a comer ou a beber em simultâneo…!
E o que dizer dos que passeiam ou correm também sem máscara? E não são poucos, acreditem…
De facto, ou nos consciencializamos para a importância de cumprir as regras, de não abusar sempre que as ‘rédeas’ são soltas, ou um dia destes lá estarão o primeiro-ministro e o Presidente da República a falar-nos de retrocesso e da necessidade de travar o desconfinamento… Não queremos ir para férias mais descansados? Será que não aprendemos com o que se tem passado noutros países, que abriram e estão agora a voltar a fechar tudo?