Querida Avó,
Nos últimos anos muito se tem ouvido, e escrito, sobre a ‘Saloia da Malveira’. Mas hoje vou falar da verdadeira ‘Saloia da Malveira’, que partiu há precisamente 25 anos. Ficará para sempre conhecida como a ‘Menina da Franja’, uma moda à qual também tu aderiste.
Deu os primeiros passos no mundo artístico no teatro de revista, quando subiu ao palco do teatro Éden (sim, o hotel Éden nos Restauradores, antes de ser convertido em hotel foi um magnifico Cineteatro). Beatriz da Conceição sonhava conquistar os palcos. Um ano depois, o fundador do Parque Mayer dava-lhe o nome artístico de Beatriz Costa.
A década de 1930 foi para Beatriz Costa a década do reconhecimento e da consagração. Para além de muitos outros trabalhos, foi nos filmes A Canção de Lisboa e A Aldeia da Roupa Branca que fez os papéis da sua vida. Embora o nome Beatriz Costa não diga nada às gerações mais novas, o mesmo não se pode dizer dos mais velhos. Estes têm bem presente na memória as eternas costureira Alice e lavadeira Gracinda. Personagens não muito diferentes da Beatriz nascida em Mafra, trazida ainda em criança pela mãe para Lisboa, e que só aprendeu a ler e a escrever aos 13 anos.
Recordo-me de a ver (na TV) a falar do facto de ter optado por viver no Hotel Tivoli (onde veio a morrer) e do seu desejo de ser sepultada no cemitério da Malveira.
Em Mafra, para além de um Auditório Municipal com o seu nome, existe ainda o Museu da Diva Saloia, onde está exposto o legado que a atriz Beatriz Costa doou ao povo da Malveira. Este espólio está hoje na Casa de Cultura da Malveira.
Em breve passamos por lá para espreitarmos este testemunho do amor de Beatriz Costa pelas suas gentes. Uma vez que até foste sua amiga, irás gostar de a recordar através dessa Exposição.
Agora fiquei com imensa vontade de ir à Malveira comer umas trouxas. Agora que estamos desconfinados ninguém nos agarra. Bjs e bom fim de semana.
Querido neto,
Para mim, saloia da malveira só há uma, a Beatriz Costa e mais nenhuma. A primeira vez que vi a Beatriz Costa, eu tinha seis anos e ela entrava numa revista do Parque Mayer. Eu adorava vê-la, batia muitas palmas, saltava na cadeira a rir. Depois ela desapareceu dos palcos e eu nunca mais me lembrei dela.
Até um dia, princípio dos anos 70, em que eu estava nos Armazéns do Chiado com a minha filha pequenina. A Catarina nem era muito de birras mas, naquele dia, embicou que queria que eu lhe comprasse uma boneca que estava numa das lojas. Eu já não sabia o que fazer da minha vida quando, de repente, vejo aparecer a Beatriz Costa, ali a fazer compras. Chega-se junto de nós e disse: «Coitadinha da menina! Quer aquela boneca, quer? Então eu dou-lhe a boneca!» E lá foram as duas. A minha filha ainda hoje tem essa boneca.
E, algum tempo depois, o jornal mandou-me fazer uma entrevista à Beatriz Costa. Fui ao Hotel Tivoli, e lá ficámos na conversa uma data de tempo, como duas velhas amigas. Um grande amigo dela, uma pessoa muito conhecida, a quem ela sempre chamou, o ‘Sr. Almirante’ é que lhe pagou a estadia naquele hotel, com tudo incluído, como se fosse mesmo a sua casa, até ao fim da sua vida. O quarto não era muito grande e por isso, de vez em quando, uma das sobrinhas dela ia lá buscar uma data de coisas, para o quarto ficar com um pouco mais de espaço. Tudo isso deve estar hoje no Museu.
Fiz-lhe muitas entrevistas, nem sei quantas. E ela fazia sempre uma coisa que mais ninguém fazia (e que eu aprendi com ela): ligava-me para o jornal a dizer que tinha gostado muito, e escrevia um cartão ao director a dizer que aquela tinha sido uma grande entrevista e que a pessoa que a tinha feito era uma grande jornalista. Pronto, aí tens a história da verdadeira, da única, da genuína Saloia da Malveira.
Ah, e já fui vacinada. A primeira dose já cá canta. Bjs e bom fim de semana.