Só os pais de crianças com necessidades educativas especiais, ou quem trabalha com elas de perto, sabe como por vezes o esforço que fazem para não perderem a carruagem. Como é um desafio lidar com as suas dificuldades, com a sua frustração e tristeza quando sentem que são diferentes da maioria. Como também eles próprios sofrem ao assistir à injustiça de para uns ser tão simples chegar onde os esperam e para outros essa caminhada ser tão mais esforçada.
Sem dúvida que nos dias que correm estamos muito mais atentos às dificuldades de cada criança e muitas vezes, logo em pequenas, os educadores, em conjunto com os pais, sinalizam-nas para que possam ser ajudadas. Por vezes os alertas e diagnósticos são até excessivos. Em contrapartida, são poucos os que passam despercebidos como acontecia antigamente, quando crianças com dislexia eram rotuladas de ‘burras’ e carregavam sozinhas esse preconceito, ao mesmo tempo que tentavam com muita dificuldade acompanhar os outros.
A questão hoje já não é a identificação do problema, mas a forma de o solucionar. Infelizmente a maioria das escolas públicas não só ainda não estão preparadas para lidar com crianças para as quais a aprendizagem é mais difícil, como por vezes não possibilitam que estas possam ter o apoio extra de que necessitam. O número de professores de apoio especial e de terapeutas disponíveis para estas escolas é assustadoramente insuficiente e por melhor que esteja elaborado o programa educativo individual para cada criança, o acesso aos apoios nem sempre é fácil. Por exemplo, um menino pode ter indicação para terapia da fala, mas se não houver um terapeuta disponível, fica sem a dita terapia. Isto acontece muito mais do que era desejável.
O facto de estarmos mais atentos faz com que haja mais pedidos de apoios, mas o número de técnicos não aumenta proporcionalmente. Pior, devido sobretudo à falta de condições físicas, mas também à filosofia ou flexibilidade de cada agrupamento, na maioria destes estabelecimentos de ensino, mesmo na ausência de um terapeuta disponível, é proibida a entrada de terapeutas particulares. Muitas vezes as escolas alegam que a criança pode ter esse apoio em casa ou no consultório, mas não é a mesma coisa. O trabalho com estes alunos tem de ser feito multidisciplinarmente, de uma forma uniformizada e coerente, que só se consegue num contacto próximo e regular de toda a equipa.
Neste aspeto, é difícil não pensar que as crianças de níveis sociais mais baixos serão necessariamente prejudicadas. Sendo que muitas vezes estão também em desvantagem devido à baixa escolaridade dos pais e à falta de condições e de estímulos de aprendizagem em casa.
E, como um mal nunca vem só, temos também um sistema de ensino que não é amigo de casos únicos, diferentes ou especiais. A maioria das escolas veem-se obrigadas a ensinar as crianças em rebanho, partindo do princípio de que todas têm as mesmas capacidades e objetivos. Todas as crianças deviam poder sentir que são boas e especiais em alguma coisa. Não é por serem menos boas naquilo que esperamos delas que não têm capacidades escondidas, inesperadas e surpreendentes. Mas nem todas têm a sorte de encontrar alguém suficientemente atento e disponível para descobrir essas capacidades. E passam a vida a tentar apanhar o rebanho sem poderem alguma vez brilhar.
Como se pode falar em ensino inclusivo quando esperamos que crianças com diferentes capacidades e gostos possam cumprir programas por vezes tão abstratos e específicos? Será justo obrigá-las a passar a sua idade escolar a sentir que estão aquém das expectativas dos outros, a ficar sempre para trás, a ter as piores notas? Não é isso que entendo por inclusão, uma palavra tão em voga nos dias que correm.