A Polícia Judiciária (PJ), através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, fez buscas, esta terça-feira, na Câmara Municipal de Lisboa (CML). Em causa estão projetos urbanísticos que remontam à época em que Manuel Salgado era vereador com o pelouro do urbanismo.
A autarquia confirmou, em comunicado, as buscas “nas instalações da Autarquia no Campo Grande e Paços do Concelho” que “resultaram de várias denúncias, incluindo participação ao Ministério Público pelo próprio Município na empreitada na Segunda Circular cancelada pela autarquia, a processos urbanísticos (Hospital da Luz, Torre da Av. Fontes Pereira de Melo, Petrogal, Plano de Pormenor da Matinha, Praça das Flores, Operação Integrada de Entrecampos, Edifício Continente, Twin Towers, Convento do Beato) e empreitadas: Segunda Circular, São Pedro de Alcântara e Piscina Penha de França”, revela a mesma nota.
Em setembro de 2019, o Nascer do Sol noticiou que a PJ estava a investigar várias frentes que tinham como protagonista Salgado. À época, o caso mais recente dizia respeito ao quartel do Regimento de Sapadores Bombeiros próximo do Hospital da Luz e cuja compra em hasta pública pelo grupo Luz Saúde (na altura, Espírito Santo Saúde) – detida pelo Grupo Espírito Santo (GES), de Ricardo Salgado, primo direito de Manuel Salgado -, em 2014, com o objetivo de ampliar as instalações, levantou suspeitas entre alguns membros da CML e da Assembleia Municipal. Agora, está no radar das autoridades.
Em 2017, a Procuradoria-Geral da República já tinha confirmado que, tanto a empreitada anulada pelo município na Segunda Circular, como a Torre de Picoas e Hospital da Luz, estavam a ser alvo de investigação.
A autarquia, liderada por Fernando Medina, garante que “facultou toda a documentação e prestou toda a colaboração ao Ministério Público e PJ, como sempre acontece quando solicitado”.
“As diligências hoje efetuadas, são as primeiras de que a Câmara Municipal de Lisboa tem conhecimento sobre estes processos”, informa.
Antigo vereador debaixo de fogo
Segundo a TVI, o alvo principal da investigação é Manuel Salgado, antigo vereador e número dois de António Costa, eleito nas eleições intercalares de 2007 para a Câmara Municipal de Lisboa, tendo ficado responsável pelo pelouro do Urbanismo e Planeamento Estratégico, pasta assumida até 2019.
Para além da Câmara Municipal, também as casas de Salgado e do seu filho foram alvo de buscas, assim como a empresa promotora do projeto imobiliário para o terreno da antiga Feira Popular, de acordo com a revista Sábado.
Recorde-se que, no passado mês de fevereiro, Manuel Salgado pediu a demissão da liderança da Sociedade de Reabilitação Urbana Lisboa Ocidental (SRU), que presidia desde 2019, após ter sido constituído arguido num inquérito judicial relacionado com a aprovação do Hospital CUF Tejo em Alcântara. O arquiteto deu como justificação a sua constituição como arguido na investigação sobre o impacto paisagístico do Hospital CUF Tejo enquanto era vereador. “É preciso reconhecer que não resultou. O seu impacto volumétrico é excessivo. Se fosse hoje, não o teria aprovado”, declarou ao jornal Expresso numa entrevista de 2019.
Numa carta endereçada a Medina, datada de 12 de janeiro, o arquiteto considerou que o processo de investigação “é o procedimento correto a adotar”, mas rejeitou ter praticado “qualquer ato ilícito”. “Será em sede própria, no momento oportuno e pelos meios que se encontram ao meu alcance, que me irei defender, repor a verdade dos factos e reagir contra atentados à minha honra e bom nome”, redigiu, à época.
"Convicto como estou de que não cometi nenhuma ilegalidade, poderia deixar para outros a decisão de me afastarem. Porém, ser constituído arguido, estatuto que em teoria se destina a proteger o visado mais não é, na realidade, do que um primeiro passo para se ser julgado na praça pública", defendeu. "E, neste caso, sem possibilidade de defesa, pois apesar de ser bastante simples desmontar a narrativa que consta do processo, este encontra-se em segredo de justiça, o que me impede de o fazer publicamente, sob pena de incorrer, aí sim, na prática de um crime", adicionou.
Manuel Salgado aproveitou ainda para criticar a "politização da justiça", sublinhado que os meios judiciais são "abusiva e erradamente utilizados como arma de arremesso político" e os "julgamentos na praça pública e a manipulação da informação criam um clima e uma cultura que afastam da causa pública que não esteja disponível para jogar este 'jogo'".
É de lembrar que, na ata da reunião da Câmara de Lisboa, de 11 de fevereiro, Medina confirmou ter recebido a missiva e aceitado o pedido. “Fi-lo na compreensão dos motivos pessoais invocados, mas com a relutância e tristeza de saber que esta também não decorre de qualquer obrigação legal ou ética – muito menos do reconhecimento de qualquer incorreção – mas sim da profunda degradação que o debate no espaço público atingiu”, adiantou. O dirigente salientou que a Câmara de Lisboa “sempre colaborou de forma ativa, como é sua obrigação, no exigente acompanhamento que o Ministério Público fez deste específico projeto”. “Deste acompanhamento, sublinhe-se, não resultou qualquer decisão ou indicação de não prosseguimento da obra nos termos aprovados, nem qualquer indicação de necessidade de correção de qualquer desses termos”, escreveu.
Crimes cometidos no exercício de funções públicas
No âmbito de oito inquéritos dirigidos pelo DIAP Regional de Lisboa – 1ª Secção, a PJ, através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, com o apoio da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática, juntamente com Magistrados do Ministério Público, procedeu à execução de vinte e oito mandados de busca, 10 buscas domiciliárias e 18 não domiciliárias, visando a recolha de documentação relacionada com suspeitas de práticas criminosas.
De acordo com a autoridade mencionada, a ação desenvolveu-se também em Sintra, Cascais, Caldas da Rainha e Alvor, contando com a participação de seis magistrados do Ministério Público e de noventa inspetores e peritos da PJ.
Naquilo que diz respeito aos crimes alegadamente cometidos no exercício de funções públicas, relacionados com a área do urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, a PJ avança, em comunicado, que serão os de abuso de poder, participação económica em negócio, corrupção, prevaricação, violação de regras urbanísticas e tráfico de influências.
“As investigações prosseguem”, garante a PJ.