Por Felícia Cabrita e João Amaral Santos
Os procuradores da República Rosário Teixeira e Vítor Pinto alertam o juiz de instrução de que os crimes pelos quais pronunciou José Sócrates e Carlos Santos Silva são completamente diferentes daqueles que constavam na acusação, o que constitui uma “nulidade insanável”, e, como tal, pedem que revogue a decisão.
Como o mais provável é que Ivo Rosa rejeite o recurso, o Ministério Público (MP) pode, de imediato, suscitar a intervenção dos juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa. Desta forma, o MP impedirá que o julgamento destes arguidos se inicie no Tribunal Criminal de Lisboa, uma vez que o juiz de instrução já enviou para esse órgão a parte do processo da Operação Marquês que lhes diz respeito.
“Conclusão absurda. Pronúncia insustentável” No requerimento de contestação do despacho de Ivo Rosa, o MP fala, nomeadamente, da imputação a Carlos Santos Silva dos crimes de corrupção ativa relativamente a Sócrates, que não constavam da acusação (e que a instrução considerou, ainda assim, prescritos). “A pronúncia reproduz, de forma interpolada um conjunto de artigos da acusação com escassa, mas desajeitada alteração de detalhes”, invoca o MP no documento a que o i teve acesso.
Entre esses detalhes, o MP considera que o despacho pressupõe que Carlos Santos Silva “utilizaria fundos próprios para proceder aos pagamentos de compensação da disponibilidade” de José Sócrates, mas a pronúncia continua a ter referências que “esses fundos existentes na esfera de Carlos Santos Silva eram já pertença” do ex-chefe do Governo, sendo o seu amigo “mero fiduciário”. A tese de Ivo Rosa constrói, assim, uma amálgama que, por vezes, se contradiz – como, aliás, se pode ler no ponto 1815 da instrução onde se volta a afirmar que o dono de dinheiro era Sócrates: “Através dessa operação visava o arguido José Sócrates fazer com que fossem pagas as faturas de viagens que estavam em dívida, para além da dívida de condomínio relativa à sua fracção no Edifício Heron Castilho, utilizando os fundos de que o arguido Carlos Santos Silva era fiduciário, sem que tais fundos passassem pela sua conta ou ficasse revelada a sua ligação a contas tituladas pelo arguido Carlos Santos Silva”.
Face a estas conclusões, o MP não tem dúvidas: “Não sendo o texto de pronúncia sequer coerente com o sentido dos factos que se lhes quis dar, permitindo alguns dos pontos da pronúncia levar à conclusão absurda de que a vantagem indevida da corrupção estava a ser paga com fundos que já eram do agente passivo (José Sócrates recebe fundos que já eram seus), entendemos que a mesma pronúncia se revela ser insustentável em julgamento”, lê-se no requerimento. Os procuradores salientam ainda, por outro lado, que o juiz de instrução nem sequer indica os atos em concreto pelos quais Santos Silva teria corrompido Sócrates.
Estaca zero ou pouco mais O requerimento agora apresentado pelo MP é distinto do recurso que anunciou no próprio dia em que foi lido o despacho de pronúncia e que irá abranger toda a decisão de Ivo Rosa.
Em relação a este requerimento, se Ivo Rosa considerar que existe de facto a nulidade arguida pelo MP, pode decidir de duas maneiras: ou determina a repetição de toda a fase de instrução; ou considera, fazendo uma leitura diversa da do MP, que existe apenas uma alteração não substancial dos factos, configurando essa situação uma mera irregularidade. Neste caso, Sócrates e Santos Silva teriam de ser notificados para requerem a abertura de nova fase de instrução, apenas relativamente aos factos descritos no despacho de pronúncia de Ivo Rosa.
Por outro lado, se o juiz decidir pelo indeferimento, o MP pode recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa.
“Indeferimento será o mais natural” Adão Carvalho, presidente eleito do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, considera o requerimento do MP “algo expectável”. E, embora se furte a comentar o caso em concreto, sempre vai adiantando que, “por princípio, tendo o juiz de instrução tomado a sua decisão em consciência, o mais natural será o indeferimento do requerimento e, como tal, a manutenção do despacho de pronúncia”.
A confirmar-se este cenário, será também “natural” que o “MP recorra para o Tribunal da Relação” e que, de forma sequente, o juiz de instrução “possa requerer, desde logo, efeitos suspensivos da pronúncia, não se avançando desde já para julgamento”. “Como foi ordenada uma divisão do processo, não faz sentido avançar-se para julgamento com os elementos da pronúncia, pois arriscar-nos-íamos a que a Relação desse razão ao requerimento do MP e, desta forma, se perdessem meses com um julgamento que teria de ser considerado nulo”, diz.
Adão Carvalho confia, aliás, que a suspensão da pronúncia nesta fase pode ser uma vantagem, permitindo que as decisões dos recursos apresentados por acusação e defesa, quanto à pronúncia e não pronúncia, possam assim ser tomadas em simultâneo.
Defesa pede alargamento Entretanto, a defesa de José Sócrates apresentou requerimento para prorrogar por mais três meses (90 dias) o prazo de 120 dias pedido pelo MP para a apresentação de recursos. O advogado Pedro Delille justifica o pedido pela “dimensão e complexidade deste processo e muito concretamente da acusação e da decisão Instrutória” caso o tribunal aceite este pedido o período de recursos ficará fixado em sete meses.
O causídico pede ainda um prazo nunca inferior a 90 dias” para análise dos atos presentes no despacho que a defesa de José Sócrates pode vir a considerar ilegais.