47 anos depois, ainda há quem queira apropriar-se do 25 de Abril. As comemorações da revolução têm donos que decidem quem entra e quem fica à porta. São estas atitudes antidemocráticas que promovem os extremismos.
A polémica em relação à participação da Iniciativa liberal revela muito sobre o sentido democrático das organizações que se arrogam representativas do ‘espírito de Abril’. Com que direito um conjunto de movimentos se julga no direito de decidir quem pode participar nas comemorações do 25 de Abril?
Os capitães de Abril merecem o respeito e a gratidão de terem lutado pela liberdade e de terem promovido a instauração do regime democrático em Portugal, mas essa consideração deveria significar uma especial responsabilidade no exemplo de uma conduta de tolerância e de respeito democrático.
O dono do 25 de Abril é o povo português. A comemoração da revolução não é uma festa privada. Não há qualquer direito de admissão reservado apenas a alguns. A festa é de todos os democratas, muito para além da redutora dicotomia entre ‘esquerda’ e ‘direita’.
A dita ‘comissão promotora do desfile do 25 de Abril’ não tem especiais direitos de comemorar a revolução. Aliás, vale a pena observar a composição deste grupo organizador. Para quem tiver paciência, verá organizações de que poucos ouviram falar e cujo trabalho cívico é, no mínimo, muito discreto. Pois estas entidades arrogam-se no direito de não permitir que um partido democrático, com representação parlamentar, se possa juntar à manifestação. Uma vergonha.
Este fenómeno de discriminação e de ilegítima apropriação merece censura e é tanto mais inaceitável quanto o que está em causa ser, precisamente, a comemoração de um regime livre e democrático em que, por definição, todos têm igual direito de participar e de se manifestar.
São atitudes arrogantes como esta que promovem a radicalização da vida política nacional e a progressão de correntes extremistas e populistas. A segregação promove a revolta ou, pelo menos, o descrédito dos protagonistas e partidos políticos que têm como consequência o afastamento da participação dos cidadãos na democracia.
Os ‘donos disto tudo’ tiveram (ou terão, espera-se) um final pouco recomendável. Nas comemorações do 25 de Abril não há donos. A génese da democracia é baseada no respeito e no direito da participação de todos, independentemente das suas convicções ideológicas.
O infeliz episódio da exclusão de alguns da participação no desfile do 25 de Abril revela uma insustentável incoerência entre a proclamação da liberdade e o direito de participação. Trata-se de uma atitude pouco democrática e contrária aos valores de Abril.
Com este gesto, a comissão organizadora do desfile do 25 de Abril fez mais pela fragilização da democracia do que os radicalismos partidários que se têm observado ultimamente.