Um princípio que seguimos invariavelmente é o de não acreditar em causalidades – a regra, na esmagadora maioria dos casos, é a da intervenção de human agency , de ação humana nos factos e eventos que ditam a nossa circunstância pessoal e o nosso devir coletivo.
Tal é particularmente visível quando tratamos de (e lidamos com) regimes opacos, que vivem da e pela mentira, como é o caso da teocracia iraniana. É incrível como tudo o que sucede com o regime dos ayatollahs iranianos ora nunca sucede na verdade, ora sucede mas apenas na medida das conveniências do regime iraniano – ora inventa-se um mundo paralelo, uma realidade alternativa permanente nos media sobre a atividade do Irão dos Ayatollahs que nada tem que ver com a realidade.
Em Portugal, a situação é ainda mais caricatamente perversa: tudo o que seja contrário aos interesses dos Ayatollahs é ocultado. Não interessa: entre os portugueses, o Irão só é notícia quando há uma versão da narrativa que lhe seja favorável – a cereja no topo do bolo é naturalmente quando a narrativa tem a dupla finalidade de branquear a teocracia iraniana e atacar Israel. Ou, como os amigos do Irão gostam de dizer, “atacar os sionistas”.
Vêm tais considerações a propósitos de notícias que envolvem estórias com o Irão e processos judiciais. Há dias fomos informados que, entre os dias 12 e 13 de Abril, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irão chamou o Embaixador de Portugal em Teerão, Carlos Costa Neves, para lhe entregar uma carta com o seguinte conteúdo: primeiro, um protesto contra as sanções da União Europeia a figuras e instituições do regime iraniano, ameaçando o Irão (como é costume) a suspensão de qualquer diálogo com a União Europeia; segundo, e mais importante, os Ayatollahs manifestam-se contra atos que consideram atentatórios da dignidade dos cidadãos iranianos em vários países da União Europeia, elencando uma série de exemplos, dando particular destaque a…Espanha.
Os Ayatollahs incitam, nesta missiva entregue ao Embaixador de Portugal em Teerão, ao uso dos mecanismos judiciais de cada país para sancionar “ofensas” ao Irão. Que qualquer ato de ofensa à teocracia iraniana deve ser sancionado quer mediaticamente, quer através da utilização dos “remédios” judiciais de cada país até às últimas instâncias, inclusivamente, recorrendo para tribunais internacionais. Que coincidência (não aleatória?) com o que tem acontecido em Portugal nos últimos tempos…
Seria interessante sabermos o destino que Ministro Augusto Santos Silva – que tem estado muito interessado com o estabelecimento de diálogos intensivos e regulares com o Irão nos últimos tempos, até por via da Secretaria-Geral do seu Ministério – deu à carta que o regime dos Ayatollahs entregou a Portugal…Partilhou com alguém em Portugal?
Algum amigo ou amiga da política ou da comunicação social?
Augusto Santos Silva concorda com a União Europeia no estabelecimento de sanções – mas depois quando chega a Lisboa, reconhece alguma razão aos Ayatollahs? Em que ficamos? Será que a Embaixada do Irão em Lisboa –sempre tão ativa quanto discreta, mesmo quando há cerca de dois meses realizou um evento comememorativo da sua Revolução com a presença de figuras da cultura e da comunicação social portuguesas, ainda que alguns, segundo consta, tenham estado apenas virtualmente – utilizou os seus “mecanismos de lobby” para fazer chegar a carta, incitando à utilização dos mecanismos forenses nacionais, às, digamos, “pessoas certas”?
Para além desta carta, e atendendo aos diálogos orais, mais ou menos informais, entre representantes diplomáticos iranianos e portugueses – será que o Irão tem feito exigências sobre política(s) e ações concretas, prometendo certas contrapartidas diplomáticas, ao Governo português?
Terá o Governo português conhecimento da atividade subversiva do Irão (usando a comunicação social, alguns ditos ativistas…) em Portugal e em outros países da União Europeia, sendo, por razões políticas e partidárias, com ela complacente?
Não é por acaso que o regime iraniano – na missiva entregue ao Embaixador português – insiste no exemplo espanhol. Não podemos olvidar o que tem sucedido a um querido do regime iraniano, Pablo Iglesias, nos últimos tempos…
Não podemos olvidar também que entre os “ativistas” espanhóis e portugueses há laços muito fortes, sendo que a maioria das atividades pró-Irão e pró-BDS em Portugal são orquestradas a partir de Espanha (muitas vezes, com apoio logístico e financeiro vindo de Espanha…).
Enfim, reiteramos: o timing da carta entregue pelo regime iraniano ao Embaixador de Portugal em Teerão coincidindo com recentes peças publicadas em jornais e iniciativas políticas (pró-Irão) em Espanha e Portugal não deixa de ser absolutamente espantoso…
Nós não acreditamos em (ou nos) Ayatollahs – pero que los hay, los hay…E aqui tão perto…