O repórter de imagem Francisco Ferreira, da TVI, foi agredido no rescaldo do jogo entre o Moreirense e o FC Porto, na segunda-feira à noite. Apesar do agressor, o empresário Pedro Pinho, ter pedido desculpa e de se ter comprometido a pagar os danos provocados, a vítima não desiste da queixa e o Ministério Público confirmou ao Nascer do SOL a instauração de um inquérito. A agressão ocorreu já no exterior do Parque Desportivo Comendador Joaquim de Almeida Freitas, depois de o jogo terminar sob forte contestação dos ‘azuis e brancos’ ao árbitro Hugo Miguel, que anulou o golo que daria a vitória ao FC Porto já no período de descontos.
Pinto da Costa abordou os jornalistas e foi depois disso que o agente Pedro Pinho, que não pertence à estrutura do FC Porto mas tem várias ligações ao clube e é amigo de Pinto da Costa (e foi sócio do filho do presidente dos dragões), agrediu o repórter Francisco Ferreira. O empresário foi identificado por elementos da GNR que estavam no local e abandonou o estádio no seu carro.
Repórter em silêncio
Segundo o jornalista da estação Victor Pinto, houve uma «tentativa de dissuasão» relativamente à possibilidade de o repórter de imagem apresentar queixa, mas este manteve a intenção. Contactado pelo Nascer do SOL, Francisco Ferreira preferiu não prestar declarações, assim como o seu advogado, Francisco Marques Vieira.
A direção de Informação da TVI emitiu, entretanto, um comunicado em que diz repudiar «veementemente a agressão que o seu repórter de imagem Francisco Ferreira sofreu» e apela «às entidades competentes e às forças da manutenção da segurança e da ordem públicas para que se crie condições de proteção das equipas de reportagem que cobrem este tipo de eventos desportivos».
«A TVI distingue a instituição FC do Porto de outros agentes e reserva-se a faculdade de proceder judicialmente contra os responsáveis pelas agressões e pelos danos causados ao material de trabalho do repórter de imagem», adianta.
Uma posição partilhada pelo conselho de redação da estação de Queluz, que diz ser «inadmissível, injustificável e repudiável a todos os níveis» a agressão a um jornalista no exercício da sua profissão.
‘Isto só muda se houver um travão claro’
«Nós, que andamos na rua, a fazer reportagem, sabemos que há sítios em que temos de redobrar os cuidados», começa por esclarecer Paula Fernandes, repórter de imagem da TVI há quase 29 anos e presidente da Associação de Repórteres de Imagem de Portugal. «Temos de estar atentos. Em televisão, somos sempre uma equipa composta por jornalista e repórter de imagem e temos de olhar um pelo outro», frisa a profissional. «Quem vê as imagens, tenha sido em direto ou a posteriori, percebe perfeitamente o que aconteceu. É inequívoco. As imagens não mentem», adianta a repórter, salientando que «as agressões são situações a que estamos sempre sujeitos em diferentes locais, mas há graus de risco associados aos trabalhos que fazemos em determinado dia» e «há sítios que estão na linha vermelha como estádios de futebol, bairros sociais identificados como problemáticos ou manifestações».
«Isto tem de parar. Temos de deixar de ser vistos como alvos. Quando estamos no exercício das nossas funções, estamos focados no nosso trabalho», desabafa. «Este tipo de situações só muda se houver um travão claro. Não estamos numa guerra a olhar para todo o lado, mas sim num país democrático e esperamos que as pessoas sejam igualmente democráticas», explica, lembrando que, em termos oficiais, também estes profissionais são reconhecidos como jornalistas pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e, assim, os autores de agressões aos mesmos podem incorrer em penas de prisão até quatro anos.
Em comunicado, a CCPJ clarificou que «as agressões praticadas contra jornalistas, no exercício das suas funções ou por falta delas, são um crime público e são mesmo suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, nos termos do art.º 132.º do Código Penal, devendo por isso qualificar-se como ofensa à integridade física qualificada».
«Estes casos não podem passar em branco e a lei tem de ser aplicada como deve ser», explicita Paula, rematando que «no dia em que forem aplicadas sanções a alguém que atentar contra a nossa dignidade física, isto será alterado». «Espero que este caso seja um marco de viragem», finaliza.
A condenação da violência contra jornalistas começou a ser abordada com mais intensidade em Portugal em março de 2017, quando uma equipa da RTP foi agredida no exterior de uma escola em Marvila, em Lisboa, alegadamente por familiares de uma criança envolvida num suposto caso de violação entre alunos que os jornalistas investigavam.
Pinto da Costa alega não ter visto nada
O presidente do FCP, Jorge Nuno Pinto da Costa, falou, esta quarta-feira, sobre as agressões. «Vi que estavam a filmar e queria saber o que queria, limitei-me, calmamente, a perguntar se havia algum problema. Disseram que não e vim-me embora», começou por contar em entrevista ao Porto Canal.
Pinto da Costa afiançou que não viu «nenhuma agressão» nem «nenhuma imagem em que se veja o [agente] Pedro Pinho a agredir alguém», mas sim a «tentar tirar e a tapar a câmara ao repórter de imagem».
«O que vi na altura foi ele a querer tirar a máquina e a tapá-la para não deixar filmar. Não vi nenhuma agressão. Mas qualquer ato de violência, rejeito, censuro e não posso tolerar», continuou.
Segundo o presidente portista, o empresário «é portista, sócio, mas não tem nenhum cargo, é empresário de futebol que trabalha com muitos clubes e não só com o FC Porto». Pinto da Costa disse ainda que é «totalmente mentira» que Pedro Pinho tenha «faturado 16 milhões de euros com o FC Porto nos últimos anos».
Mas Pedro Pinho perdeu a licença de agente desportivo, sendo que esta quinta-feira o Conselho de Disciplina da FPF divulgou a instauração de um processo disciplinar ao mesmo, por deliberação da Secção Profissional, de 28 de abril de 2021, «tendo por objeto alegadas agressões praticadas contra jornalista».
Atuação da GNR ‘em causa’
Entretanto, a Guarda Nacional Republicana (GNR) abriu um processo de averiguação à atuação dos militares destacados para o jogo entre o Moreirense e o FC Porto.
«A atuação da Guarda surgiu na sequência de um pedido de auxílio por parte de um operador de câmara de um órgão de comunicação social, tendo, nesse alinhamento, identificado os intervenientes na situação e os factos sido remetidos para o Tribunal Judicial de Guimarães», explica a força de segurança em comunicado, esclarecendo que «atendendo às várias dúvidas levantadas no espaço público, colocando em causa a atuação da Guarda, e no sentido de promover, com total transparência e rigor, o cabal esclarecimento das circunstâncias inerentes à atuação dos militares na situação em apreço, foi determinada a abertura de um processo de inquérito a correr pela Inspeção da Guarda».
FPF condena agressão
Também a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) reagiu ao sucedido e condenou a agressão. «A FPF condena de forma veemente a agressão de que foi vítima um repórter da TVI depois de concluído o jogo entre Moreirense e FC Porto, na segunda-feira à noite. Os espetáculos desportivos devem ser momentos de celebração da paixão pelo jogo e locais em que todos podem exercer as suas funções em liberdade e de forma segura», lê-se numa nota da FPF.