por Felícia Cabrita e João Amaral Santos
A empresa Labcoco, criada em 2017, em Vendas Novas, Évora, recebeu pelo menos 2,6 milhões de euros de apoios públicos provenientes de programas comunitários para a construção de uma fábrica de derivados de coco mas passados quatro anos é apenas uma pedra perdida no meio de um terreno baldio no parque industrial local.
O projeto foi apresentado com pompa e circunstância pelo presidente da Câmara de Vendas Novas, Luís Dias, em setembro de 2017, em plena campanha para as eleições autárquicas (que o autarca do PS venceria a 1 de outubro desse ano). Os empresários brasileiros Lailton Arruda Barreto e Raul Correa Filho deram a cara pelo projeto do grupo Cohibra, com sede em Fortaleza, Brasil, que avoca «40 anos de experiência» no setor – embora só existam registos da sociedade desde 2008 – e que anunciava o que seria a primeira aposta no estrangeiro com a instalação de uma fábrica naquela cidade alentejana, com o objetivo de produzir derivados de coco (como óleo, manteiga e vinagre), destinados ao mercado europeu. A empresa brasileira representaria um investimento privado de 8,6 milhões de euros, sete dos quais poderiam ser elegíveis a fundos provenientes do Portugal 2020, e a criação de 80 postos de trabalho, numa primeira fase, e mais de uma centena, a médio/longo prazo.
Com o apoio da Câmara de Vendas Novas, que passou licenças de construção e cartas de intenção de utilidade pública, os investidores brasileiros meteram ao bolso milhões provenientes do Estado português, entre 2018 e 2019.
‘Desgraçado no meio disto tudo’ A ‘empresa fantasma’ constituiu-se com dois proprietários: Lailton Arruda Barreto (com 90% do capital), empresário brasileiro, dono do grupo Cohibra, que soma processos de dívidas em Portugal e no Brasil, e Isaías Gonçalves, advogado natural de Fornos de Algodres, Guarda, com escritório no Barreiro, e que presta serviços jurídicos naquela autarquia há pelo menos duas décadas – o causídico detinha os restantes 10% da Labcoco através de uma sociedade denominada Camehere (que partilha com a sua mulher).
Contactado pelo nosso jornal, Isaías Gonçalves admite que foi ele quem trouxe os brasileiros para Vendas Novas, mas nega qualquer ligação à atividade operacional da empresa e muito menos ao dinheiro que esta recebeu. Aliás, segundo o próprio, até o facto de se ter tornado sócio foi um mero acaso. «Eles contrataram-me para advogado, dei-lhes apoio durante os primeiros dois ou três anos, mas, a certa altura, deixaram-me de pagar as avenças. Eu e a minha mulher temos uma sociedade chamada Camehere, que estava parada, e eles disseram-me: ‘Não temos dinheiro para lhe pagar, mas damos-lhe uma quota de 10%’». Confrontado com o óbvio conflito de interesses o causídico enterra-se: «Até pensei nisso, mas pedi autorização ao presidente, tive o cuidado de falar com ele, e aceitei a proposta. A única preocupação era ajudar o município», garante. Em relação a este tema, não foi possível conhecer a posição do presidente Luís Dias.
Entre 2017 e 2019, o projeto continua a merecer a confiança do presidente Luís Dias e do advogado Isaías Gonçalves, apostados em agradar aos empresários. «Vendas Novas estava há uma série de anos sem ter uma empresa no parque industrial, e aparecem estes tipos com um projeto muito bem feito, um investimento fabuloso… O meu interesse e o interesse da Câmara de Vendas Novas foi sempre ajudá-los, tentarmos abrir portas à empresa, junto dos empresários locais, junto dos bancos, junto das entidades públicas, para que fossem abertas portas e o projeto fosse concretizado», explica.
Mas não foi assim que aconteceu: Isaías Gonçalves, depois de admitir ter feito ‘das tripas coração’ para agradar aos empresários brasileiros, diz ter-se apercebido que alguma coisa não batia certo. Garante ter perdido dinheiro, e de ter tentado libertar-se do elo que mantinha com a Labcoco, o que concretizou em meados de 2020. «Aceitei fazer parte desta sociedade apenas para ajudar, mas a experiência foi terrível. Não recebi dinheiro nenhum, aliás, ainda perdi 70 mil euros que lhes emprestei euros para que o IAPMEI libertasse uma parcela do apoio que concedeu à empresa. Pensava que me iriam pagar na semana seguinte, mas nada. E o tempo foi passando. Foi nessa altura que percebo que aquilo vai correr mal. Quando vi que eles não pagavam e o projeto não tinha pernas para andar a minha prioridade foi ceder essa quota. Não tenho qualquer ligação à Labcoco desde 2019, mas depois meteu-se a pandemia, e só e só no dia 4 de junho de 2020 é que me desliguei formalmente daquela sociedade. Foi um alívio… Só me queria libertar deles…», afirma.
Onde para o dinheiro? Dos milhões é que não há rasto. O projeto não saiu do papel, mas os fluxos financeiros registaram neste período várias entradas e saídas de dinheiros: tudo somado, a empresa tem um prejuízo na ordem dos 800 mil euros entre 2018 e 2019 (onde se inclui uma despesa de 300 mil euros em salários). Entretanto, os empresários Lailton Arruda Barreto e Raul Correa Filho vão somando processos de execução fiscal em Portugal e no Brasil, apurou o Nascer do SOL. Onde para, afinal, o dinheiro? Em Portugal parece que ninguém sabe, nem mesmo o sócio involuntário. «Obriguei-os a fazer uma confissão de dívida em relação aos meus 70 mil, isso fiz. E por acaso ainda ontem [quarta-feira] ponderei se deveria ou não avançar para um pedido de insolvência da sociedade com base nesta dívida, há coincidência engraçadas», remata Isaías Gonçalves.
Mas e o resto?, perguntamos. O advogado da Câmara de Vendas Novas assegura que «os restantes milhões ficaram sempre na esfera dos brasileiros». «Se me perguntar o que fizeram ao dinheiro não sei, não faço a mínima ideia, mas sei que eles fizeram um acordo com uma empresa espanhola para construir a fábrica e comprar equipamentos… Talvez seja essa empresa espanhola… não sei, sinceramente», acrescenta.
Embora admita alívio por não ter contacto com os empresários brasileiros, Isaías Gonçalves parece, no entanto, conhecer bem as intenções do líder da Cohibra e da Labcoco: «[o Lailton Arruda Barreto] não quer ter problemas e acho que vai encontrar uma solução para, pelo menos, pagar ao Estado português, pois tem um medo incrível que as autoridades lhe confisquem o património e os bens que ele tem no Brasil. Não duvido que ele faça tudo o que estiver ao seu alcance para devolver esse dinheiro dos apoios». Falamos, portanto, de 2,6 milhões de euros.
Ao Nascer do SOL, o presidente da Câmara de Vendas Novas, Luís Dias, recorda que «a promoção do tecido empresarial e a captação de investimento para o concelho é uma prioridade para o município», mas deixa a ressalva que tal «não invalida a atenção constante face a eventuais incumprimentos que possam ocorrer perante a autarquia e a tomada de posição sempre que se justifique». No caso da Labcoco, Lda., porém, o autarca indica que «tudo o que se relacione com financiamento comunitário, cabe às entidades competentes a devida fiscalização e acompanhamento da execução física e financeira dos projetos, sendo o Município totalmente alheio a esta situação». E deixa uma ressalva: «por parte da autarquia não foi atribuído qualquer benefício à empresa para instalação no concelho».
O IAPMEI, questionado sobre este processo – uma vez que, de acordo com os relatórios de 2018 e 2019, a que o nosso jornal teve acesso, só esta entidade deu ‘luz verde’ para conceder à Labcoco, Lda. cerca de 1,650 milhões de euros –, também não resposdeu.
A verdade é que deste projeto nada correu bem, até hoje não havia notícias dos empresários, nem do dinheiro, mas o Nascer do SOL conseguiu falar com Raul Correa Filho, que assegura «que a Labcoco vai retomar o projeto» e que isso não sucedeu mais cedo devido à pandemia. "O nosso projeto da Labcoco em Portugal sofreu atrasos devidos a pandemia do COVID e mais alguns pequenos contratempos, porém já realinhamos o projeto e retomamos a implantação", garante o empresário.