As redes sociais estão a abarrotar de política. Há quem defenda que tais assuntos não deveriam ter lugar lá. Discordo. Não obstante, neste artigo defenderei que as redes sociais trazem consequências nefastas para o debate político devido à sua natureza fugaz e caçadora de likes.
Vamos supor que um ET descera à Terra e estava curioso por conhecer os humanos. «Caro ET, os humanos agora estão viciados no digital. Conversam, discutem e veem-se através de três principais plataformas: o Facebook, o Instagram e o Twitter. Na primeira podem fazer posts no formato que quiserem e escrever textos com o tamanho que praticamente lhes apetecer. Na segunda os posts têm obrigatoriamente de ser em formato de imagem ou vídeo, podendo ser acompanhados de um curto texto. Na terceira os posts podem ser em qualquer formato, contudo o texto que os acompanha não poderá ter mais de 280 caracteres.» Este ET ficaria certamente espantando quando lhe explicasse que a rede social mais politizada é a terceira – aquela cujo formato aparenta ser mais castrador para o debate devido à questão do limite de carateres. O extraterrestre teria toda a razão em considerar-nos parvos por termos parte da nossa elite intelectual viciada naquilo.
A política não é um assunto que se caracterize pela sua especial falta de complexidade. Contudo, cada vez achamos mais natural discuti-la em comprimidos de 280cc que tentam simplificar o que nem sequer interessa ser simplificado. Chegamos ao ponto de uma rede social em que não se podem escrever mais letras do que as deste parágrafo ser o principal palco de debate informado na sociedade civil. Por castrar o diálogo e eventual descoberta de pontos concordantes, esta simplificação exagerada de assuntos complexos resulta, sobretudo, em polarização política. O debate tipicamente twitteiro de ideia avulsa contra ideia avulsa em busca de likes negligencia todo o tecido argumentativo que interessaria dar a conhecer aos que o seguem, tornando-se assim nefasto para o debate político no geral. Por outras palavras, matam-se pela forma e negligenciam totalmente a profundidade da matéria. E se por um lado o Twitter me entristece por nele ver gente inteligente a estupidificar-se, o Instagram irrita-me por nele ver gente que se acha inteligente a estupidificar-se ainda mais.
O Instagram é, das três elencadas, aquela mais frequentada pelo ‘jovem comum’. Têm surgido um tipo de posts que tentam educar a ‘populaça’ para questões sociais através de sequências de imagens com texto. Saltam para o debate com uma postura muito democrática e moderada: «Se fazes umas destas vinte e duas coisas és machista» ou «Se fazes uma destas quarenta e nove coisas és racista». Estes posts, que mais uma vez amalgamam assuntos complexíssimos em meros frames, são verborreados ad nauseam nos feeds dos génios da minha geração – que sobrepõem a sensação egomasturbadora de poderem embandeirar uma opinião à postura humilde de reflexão. Por fim, como não há debate e a maior parte deles nunca pegou num livro sem ser sobre foleiradas de marketing, colam-se à ideia mais trendy que lhes apareça. Tal como no Twitter, estes comportamentos em manada nada mais fazem do que polarizar a sociedade e muni-la de um conhecimento superficial sobre tudo – conhecem a cor da maçã, mas não fazem ideia do seu sabor, textura, ou até de que se trata de uma fruta.
O debate político não deve estar limitado aos 280 caracteres do Twitter ou humilhado aos posts educacionais do Instagram. Mesmo que essas manifestações digam coisas acertadas, não se fiquem por aí: cheirem a maçã, trinquem a maçã, mastiguem a maçã, saboreiem a maçã, engulam a maçã e falem da maçã aos vossos amigos. Só assim se poderá ter uma sociedade devidamente alimentada – ou conhecem alguém que viva de comer cascas e esteja bem de saúde?
Guimarães, 28 de abril de 2021