por Ana Maria Simões
Merkel não veio ao Porto, em 2021, e Merkel não foi a Gotemburgo, em 2017. Quer isto dizer que chanceler e líder da CDU (União Democrata-Cristã), desvaloriza, com a sua ausência, as cimeiras sociais europeias? Talvez não. Mas pode querer dizer que a democrata-cristã que lidera a Alemanha desde 2015, e que está no derradeiro ano do seu mandato por vontade própria, sabe que as políticas sociais dos outros pesam no bolso alemão. E não é a única: a relutância dos países do Norte da Europa para a aceitação de políticas sociais comuns é proverbial. Daí que a ausência do primeiro-ministro holandês seja só uma meia-surpresa.
A ausência na Cimeira Social do Porto de Angela Merkel não deixou de ser assinalada como um outro ‘ponto alto’ da cimeira. Para Henrique Burnay, partner da Eupportunity e professor de Políticas Europeias no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, a ausência da chanceler alemã deu-lhe, naturalmente, em que pensar. No entanto, põe de lado teorias mais conspirativas que levam a que muitos digam que a ausência é uma forma de desvalorizar a Cimeira Social promovida pela presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.
A explicação pode ser bem mais simples: vivemos tempos de incerteza e apesar do número de mortes e novos casos estar a diminuir na Alemanha, a média dos últimos sete dias ainda regista um valor acima dos 15 mil novos casos diários, com cerca de 30% da população vacinada, num país que conta com mais de 80 mil mortos, vítimas de covid-19. Logo, a chanceler pode ter tido um outro cálculo político: prefere passar uma imagem interna de sensatez do que ficar bem na fotografia da Cimeira Social do Porto.
«Digamos que não fiquei muito convencido com o argumento. No entanto, admito que se a chanceler alemã e o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, se deslocassem ao Porto, se fizessem uma viagem para reunirem com outros líderes europeus, podia ser politicamente arriscado e mal percebido internamente. Tanto os alemães como os holandeses, e especialmente estes últimos, que muito tem protestado nas ruas contra as medidas restritivas, muito duras, impostas pelo governo, poderiam não gostar de os ver numa sala cheia de pessoas numa qualquer cidade europeia», diz ao Nascer do SOL Henrique Burnay.
São baixas de peso, naturalmente, em especial para Portugal que tanto insistiu em transformar a Cimeira do Porto – que corre concomitante com a cimeira União Europeia/Índia, também sem a presença física do primeiro-ministro Narenda Modi – como o ‘ponto alto’ da presidência portuguesa. Burnay deixa-nos uma outra pista: se o primeiro-ministro indiano se tivesse deslocado ao Porto, e devido à importância que a UE dá à Índia como parceiro estratégico, muito provavelmente Merkel teria um motivo mais forte para enfrentar um eventual mal-estar interno. Lembremos, entretanto, que no ano passado, a chanceler alemã provocara já alguma indisposição ao então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quando anunciou que não estaria numa reunião do G7, em Washington.
No essencial, com ou sem Merkel, a cimeira mantém, globalmente, moderadas expectativas. Na Cimeira Social de Gotemburgo, na Suécia, em 2017, quando Jean-Claude Juncker estava à frente da Comissão Europeia, ali mesmo, afirmou acerca «dos 20 princípios gerais» para uma «evolução das políticas sociais» europeias que «não é um poema, é um programa», três anos de depois o programa ainda parece um poema pouco romântico, que a Alemanha teima em não escrever.