Há mais de um ano que os setores do alojamento e restauração enfrentam sérias dificuldades económicas e de sobrevivência. Mas dois confinamentos depois e com várias mudanças de horários pelo meio, parece que a luz ao fundo do túnel começa a aproximar-se. Pelo menos, é isso que revela o mais recente inquérito da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) relativo ao mês de abril ao concluir que “as empresas da restauração e similares e do alojamento turístico registaram melhorias na atividade com o avançar do plano de desconfinamento”.
O otimismo existe, no entanto, a associação admite que “a situação ainda é preocupante”, até porque, para trás, está “mais de um ano com enormes prejuízos”.
Mas vamos a números. Em abril, apesar das melhorias, 26% das empresas de restauração continuam a manter intenções de requerer insolvência. Do lado do alojamento, o número é mais pequeno mas, ainda assim, chega aos 11%.
A ditar esta intenção das empresas estão as fracas receitas conseguidas até então bem como as previsões de que não vão conseguir suportar todos os encargos decorrentes do novo normal funcionamento.
Ainda do lado da restauração, 52% das empresas revela que a quebra de faturação do mês de abril foi acima dos 40%. Uma perda que não permitiu que 11% conseguisse pagar salários. Outras 11% apenas o fizeram de forma parcial.
Face a esta realidade, 40% das empresas inquiridas dizem já ter efetuado despedimentos deste o início da pandemia. Destas, 59% reduziram até 25% os postos de trabalho a seu cargo e 7% assumem que não vão conseguir manter todos os postos de trabalho até ao final do mês de junho.
A falta de apoios é também uma realidade para ainda muitas empresas. Sem mais apoios a fundo perdido, 31% diz que não vai conseguir manter o negócio a funcionar.
Números ainda alarmantes que mostram um retrato preocupante de um setor que não está muito longe do setor do alojamento turístico, onde 19% das empresas está com a atividade suspensa.
Em relação ao mês em análise, 43% não registou qualquer ocupação, ao passo que 27% não foram além dos 10% de ocupação. Para este mês as perspetivas também não são as melhores: 32% das empresas estimam uma taxa de ocupação zero, e 28% das empresas perspetivam uma ocupação máxima de 10%.
O inquérito da AHRESP revela também que, uma vez que as empresas não conseguem suportar os normais encargos da sua atividade, 11% pondera a situação limite de insolvência. É que para 40% das empresas inquiridas, a quebra de faturação do mês de abril foi acima dos 90%.
Face às quebras pesadas na faturação, 22% dos empresários não conseguiram pagar os ordenados de março e 5% fê-lo parcialmente.
Ao nível do emprego, 30% das empresas já efetuaram despedimentos desde o início da pandemia. Destas, 25% reduziram em mais de 50% os postos de trabalho a seu cargo. 4% das empresas assumem que não vão conseguir manter todos os postos de trabalho até ao final do mês de junho.
É preciso atingir objetivos A AHRESP não tem dúvidas: “Estas atividades económicas são fundamentais para a economia do país” e, por isso, “a reabertura contribui para uma desejável retoma”. No entanto, é necessário que sejam atingidos, na opinião da associação, quatro objetivos.
Um deles é a confiança, uma vez que é preciso que os clientes precisam de a ganhar para regressar aos estabelecimentos. Segue-se o consumo “massivo e universal, que deve ser incentivado”. Mas não só. A AHRESP fala ainda no capital “através de apoios mais robustos, que permitam a manutenção dos negócios, contribuindo para a desejável retoma económica” e na coragem “já demonstrada e que deve ser mantida, perante os efeitos da crise que atravessámos e das suas consequências no futuro”.
O presente é favorável para estes setores mas a associação lembra que há ainda “um longo e doloroso caminho a percorrer, para a recuperação da débil situação em que tecido empresarial do Canal HORECA mergulhou”.
Recuperar 100 mil postos de trabalho perdidos Os números do desemprego anunciados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), não deixam margem para dúvidas: a restauração, similares e alojamento turístico tinham um total de 221400 postos de trabalho. Este dado representa uma redução homóloga de 31,4% face ao 1º trimestre de 2020. Face a esta “realidade dramática”, a AHRESP reitera a “imperiosa necessidade que tem vindo a defender desde a primeira hora: o reforço e continuidade dos apoios a fundo perdido às empresas das nossas atividades, nomeadamente para a manutenção dos postos de trabalho”. Até porque, defende a associação, sem este apoios “continuaremos a assistir a uma destruição massiva de emprego e de empresas”.
A AHRESP defende ainda que é importante que os apoios sejam adequados à estrutura empresarial das atividades económicas,” esmagadoramente de micro dimensão (mais de 95%), e que sejam concedidos de forma direta, ágil e simplificada”.
Empresários “em pânico” Também preocupada com a situação da restauração é a Associação Nacional de Restaurantes, a Pro.var, ao alertar para os “inúmeros empresários em pânico” por verem os apoios terminarem, apesar do alívio das restrições.
A associação nota uma pequena recuperação mas diz que se notam várias disparidades. E justifica: “Para os estabelecimentos localizados em centros comerciais, zonas de alta densidade nas grandes cidades e zonas turísticas, a retoma ainda não se verifica”, defende Daniel Serra, presidente da Pro.var. “A pandemia provocou alterações nos hábitos de consumo, a ida aos centros comerciais faz-se em versão acelerada, os clientes dispensam menos tempo de compra nesses locais, por sua vez, o teletrabalho retirou os habituais e fieis clientes dos centros das cidades, e as zonas turísticas aguardam o regresso dos turistas”, diz ainda o responsável.
Também a associação realizou um inquérito junto do setor e revela que, no mês de abril, cerca de dois em cada três estabelecimentos (66,4%), localizados nessas áreas ponderam apresentar pedidos de insolvência ou estão em situação de falência.
E lembra que em dificuldade encontram-se os restaurantes de rua, em zonas de baixa densidade. No entanto, os dados não mostram uma incidência tão marcada de insolvências e falências, onde um em cada quatro estabelecimentos se encontra nestas circunstâncias. “É o próprio Governo que reconhece que o setor do turismo teve uma perda só em 2020 de 10 mil milhões de euros. Decorridos agora 15 meses, estima-se agora que esse valor poderá atingir ainda este mês perdas na ordem dos 15 mil milhões de euros”, diz a entidade.
Por isso, a associação defende que os apoios até agora concedidos, a fundo perdido “são ainda assim muito insuficientes, pois não refletem minimamente estas perdas, ficando muito aquém do necessário”, o que leva a que milhares de empresas estejam “em extremas dificuldades”.
Daniel Serra alerta que os três meses de verão não vão ser suficientes para reequilibrar perdas e garantir estabilidade financeira. “Antevemos uma catástrofe, económica, financeira e social no setor, com falências, encerramentos e desemprego, que terá um custo muito maior do que qualquer ajuda financeira”.
Face ao dramatismo que se vive no setor, a Pro.var defende que o Governo procure soluções para salvar estas empresas “que antes da pandemia eram viáveis e que não podem ser penalizadas quando estas foram absolutamente determinantes no combate à pandemia”.
Assim, sugere a implementação de medidas corretivas e reforço dos apoios no âmbito do Apoiar.pt, Apoiar restauração e rendas e a redução do IVA da restauração “para viabilizar e aumentar a competitividade para com os principais concorrentes de Portugal”.
A associação defende ainda o regresso aos horários normais da restauração, que neste momento está obrigada a encerrar às 22h30 e às 19h aos fins de semana para o caso dos centros comerciais.