A recente notícia do fim das transmissões de touradas na RTP constitui um atentado à liberdade cultural, ao respeito pelos portugueses e, sobretudo, ao próprio sentido do serviço público de televisão.
Paulatinamente, de forma ardilosa, a estratégia de proibir as touradas vai fazendo caminho. Uma minoria sonora e organizada vai tomando de assalto e dominando a opinião publicada e as entidades públicas, procurando impor uma ditadura de gostos e uma agenda cultural ideológica indiferente à vontade popular, agredindo a identidade e a cultura de uma parte do país.
As pressões para impedir a RTP de transmitir corridas de touros não são recentes. O que mudou agora foi a atitude do Estado que, a pretexto de uma proposta de um novo contrato de concessão do serviço público de rádio e televisão, que se encontra em consulta pública, e numa interpretação abusiva, pretende proibir a transmissão televisiva de corridas de touros. Tal significa uma ingerência na autonomia da direção de programas da estação e, sobretudo, uma clara violação dos princípios legais do serviço público de televisão.
Coincidência (ou talvez não) é a mudança de administração da estação pública de televisão e o anúncio de que não será transmitida nenhuma tourada neste ano, mesmo antes da alteração do referido contrato de concessão. Aliás, a administração que agora cessa funções, quando, no passado, foi confrontada com as pressões para interromper uma prática de décadas, recusou sempre fazê-lo.
As transmissões televisivas de corridas de touros representaram sempre um grande sucesso de audiências, liderando, muitas vezes, o top de audiências da RTP e da televisão em geral. Mas muito para além desta demonstração de interesse pelas transmissões, esta prática assumia o respeito e a promoção da diversidade da cultura nacional pela televisão pública.
O serviço público de televisão (definido através da lei de televisão) prevê o princípio da independência perante o Governo, assegura a possibilidade de expressão das diversas correntes de opinião e garante o princípio da diversificação e do pluralismo. Define como obrigações da concessionaria do serviço a promoção da diversidade cultural (designadamente os interesses das minorias), bem como o acesso do público às manifestações culturais portuguesas.
Ora, o que está em causa é precisamente a promoção do património cultural português, o respeito pela diversidade da cultura e das tradições, a divulgação das diversas manifestações da sociedade na sua pluralidade e o acesso a essas expressões regionais.
A televisão pública, paga por todos, deve respeitar todos. Tal só é concretizado com respeito e tolerância, garantindo a cobertura e o acesso aos interesses dos vários públicos, minoritários ou maioritários, urbanos ou rurais, eruditos ou populares.
A instrumentalização da RTP enquanto veículo para a imposição de uma determinada visão da cultura ou da sociedade, seja qual for, viola a lei e desrespeita a democracia e a liberdade. Seria um precedente grave, hoje com as touradas, amanhã com qualquer outra realidade…