Caiu-me há dias nas mãos, ao fim de tantos anos, o livro de ficção científica A Nebulosa de Andrómeda, de Ivan Efremov. Por curiosidade, comecei a folheá-lo e a recordar aquela viagem espacial tripulada num tempo em que a Humanidade já havia conseguido atingir velocidades muito mais próximas da da luz e viajar até outros sistemas estelares. A tripulante historiadora Veda Kong conversava sobre os tempos passados da Humanidade e referiu a Era do Mundo Dividido, onde os diversos grupos humanos ainda se digladiavam entre si pela posse dos recursos, à qual se havia seguido a Era do Compromisso, na qual os antigos senhores do poder deixaram de ter capacidade para o impor e tiveram de aceitar as conversações ‘entre iguais’ como método de resolução de diferendos. Segundo Veda Kong, ter-se-iam seguido as Eras da Unificação Universal, do Trabalho Global, da Simplificação das Coisas, da Reestruturação, da Primeira Abundância e, finalmente, a Era do Cosmos.
Durante muitos anos alimentei uma Utopia semelhante; ainda hoje a conservo, não como Utopia nascida de um pensamento ‘racional’, como uma ‘construção mental’, mas sim como uma utopia radicada na emoção, na ética de natureza biológica evolutiva, característica dos seres humanos.
Santo Agostinho, antes de Santo, havia sido um bandido; foi o reencontro com essa ética humana com que todos nascemos e que nunca ‘morre’, que lhe permitiu esse salto. O cristianismo e outras grandes religiões, globalmente, também constituem tentativas, que persistem, do reencontro coletivo com essa ética.
Humberto Maturana, cientista biólogo que faleceu esta semana com 92 anos, veio explicar-nos que a emoção fundadora do fenómeno Humano foi o Amor, isto é, a aceitação da legitimidade do Outro, do ‘diferente’, com o qual, com Honestidade, temos de Conversar e Colaborar. Também ele, não a partir de uma utopia nascida do pensamento racional mas sim da Biologia Evolutiva, nos mostrou que à Idade da Colaboração e da Honestidade primordial, que durou mais de 3 milhões de anos (e que ‘imprimiu’ os Valores Éticos na estrutura biopsicológica humana), se sucedeu a atual Idade da Desconfiança e do Controlo (ou da Dominação e do Submetimento), que começou a implantar-se somente à cerca de 15.000 anos. (Aos eventuais interessados recomendaria a visualização da lição de H. Maturana dada numa Universidade brasileira, em https://www.youtube.com/watch?v=iWK34JdwzOI&t=8531s.)
O mundo de hoje, se os tradicionais ‘donos disto tudo’ não conseguirem lançar uma guerra vitoriosa (na qual as perdas sejam ‘suportáveis’) nos próximos 3 a 5 anos, irá entrar, por certo, na Era do Compromisso: vamos ter, todos, de nos sentar à mesa, como iguais, e, pelo diálogo, assegurar uma transição equilibrada para um mundo realmente democrático (sem relações de poder), caracterizado pela colaboração e a honestidade, sem domínios nem submissões.
A parte do mundo que corre mais riscos nesta fase é, sem dúvida, a Europa, que os Estados Unidos (com o Reino Unido pela trela) ainda pensam poder oferecer ao altar do sacrifício nas suas últimas tentativas para manter a hegemonia.
Depende do modo como nós, europeus, nos assumirmos, como homens livres ou como lacaios, que será ditado o nosso futuro.
Eu proporia que a Europa, pela sua cultura tradicional e interesse imediato, fosse o fator principal para a transição da Era do Mundo Dividido para a Era do Compromisso.