«O facto de o ministro ter pago do seu bolso o bilhete para estar naquele cruzeiro não resolve, obviamente, o problema da existência de um evidente conflito de interesses, que nasce do facto de Pedro Siza Vieira ser casado com uma lobista de um setor económico que o próprio tutela». A opinião é de João Paulo Batalha, consultor em transparência e anticorrupção, e ex-presidente da associação cívica Transparência e Integridade, na sequência da polémica que ‘estalou’ esta semana envolvendo o ministro da Economia e a sua mulher, Cristina Siza Vieira, vice-presidente da Associação Hotelaria de Portugal (AHT), por estes terem passado o último fim de semana a bordo de um cruzeiro no Douro, organizado pelo empresário Mário Ferreira, que mantém em aberto um diferendo com o Estado devido à construção de uma unidade hoteleira em Mesão Frio – o projeto para instalar naquele lugar o novíssimo Douro Marina Hotel foi chumbado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e Mário Ferreira pondera agora avançar contra a decisão para tribunal.
O caso foi divulgado na terça-feira, dia 18, pelo Correio da Manhã, e dava conta que, além do casal Siza Vieira, também Diogo Lacerda Machado, homem de confiança do primeiro-ministro António Costa e administrador da Mystic Invest (de Mário Ferreira), também esteve presente no barco. A notícia dava conta que Cristina Siza Vieira, na qualidade de dirigente da AHP, viajou gratuitamente na qualidade de convidada da Mystic Invest; Pedro Siza Vieira, por outro lado, pagou o bilhete do seu bolso.
«O problema começa logo pelo facto de Cristina Siza Vieira liderar um lóbi do setor da economia que é tutelado pelo próprio marido. Na realidade este é o problema estrutural de todo este caso. A atitude correta de Cristina Siza Vieira teria sido a renúncia imediata ao cargo na AHT assim que o seu marido, Pedro Siza Vieira, tomou posse como ministro da Economia», defende João Paulo Batalha, que dá como exemplo o caso que envolveu a atual ministra da Saúde, Marta Temido e o seu marido. «Veja-se o exemplo de Marta Temido. Quando tomou posse como ministra da Saúde – precisamente na mesma remodelação governamental [em 15 de outubro de 2018] em que Siza Vieira assumiu a pasta da Economia – o marido de Marta Temido [Jorge Simões] renunciou ao cargo de presidente do Conselho Nacional de Saúde», invocando, na altura, «motivos pessoais» para a decisão. «Há dois entendimentos diferentes da mesma questão dentro do mesmo Governo. E, no caso de Cristina Siza Vieira e Pedro Siza Vieira, esta situação manter-se é, claramente, uma péssima ideia, pois coloca sempre em causa se a mulher do ministro da Economia ocupa ou mantém o cargo de vice-presidente da AHT apenas e só por ser próxima de um governante», diz.
E nem o facto de Siza Vieira ter prontamente esclarecido que pagou o seu bilhete altera esta leitura? O especialista é perentório: «Não». «Havendo um processo em que o empresário Mário Ferreira se opõe ou vai opor-se ao Estado português, o ministro deveria ter evitado ao máximo ser visto com este em contextos sociais, indecentemente de ter pago o bilhete ou não. Estes eventos são formas de fazer networking, estabelecer contactos, angariar simpatias, e, por isso, o ministro deveria ter percebido que simplesmente não deveria ter ido». «Mas como já se viu, Siza Vieira não tem grandes competências em matéria de gestão de conflitos de interesses», conclui João Paulo Batalha.