Vamos, de uma vez por todas, deixarmo-nos de tergiversações que têm uma tendência inevitável para se tornarem bacocas. E, para isso, regressemos aos dias que mediaram entre 23 e 30 de outubro de 1938. Perante iniciativa do jornal O Século, que queria sublinhar os 50 anos de futebol em Portugal, a Federação Portuguesa organizou o seu I Congresso, sob a presidência do professor Cruz Filipe. Uma das matérias que seriam discutidas era a da restruturação dos quadros do futebol nacional que, ao tempo, estava considerado muito atrasado em relação ao dos restantes países europeus com os quais tínhamos contactos diretos. Os 0-9 sofridos em Chamartín pela seleção nacional, no anterior mês de Março, na eliminatória para o Campeonato do mundo, foram um empurrão definitivo para que os dirigentes federativos assumissem que era fundamental criar uma competição na qual, jogando todos contra todos, aumentasse exponencialmente as exigências físicas e táticas dos jogadores.
Até aí, desde 1922, a única prova nacional que existia era um meio coxo Campeonato de Portugal que começou por ser uma espécie de fase final entre os campeões das mais fortes associações do país mas não tardou a abastardar-se, alargando-se, por interesse, a equipas que não sendo campeãs de coisa alguma tinham peso das decisões corporativas.
O Campeonato de Portugal disputava-se em estilo de Taça, por eliminatórias diretas até que se encontrassem os dois finalistas. Em 1922, ano de estreia, o FC Porto bateu o Sporting no jogo decisivo, uma finalíssima no Campo do Bessa, resolvida por 3-1 após prolongamento. E assim se arrastaram os acontecimentos até esse importante mês de outubro de 1938.
Campeonato e Taça
O ponto alto do I Congresso da Federação Portuguesa de Futebol concentrou-se na tese apresentada por Mário Oliveira e que levava o nome de A Organização Nacional de Football e as Suas Principais Competições. Dizia o opúsculo, a certa altura: «Atualmente, as duas grandes competições nacionais são os torneios das Ligas – leia-se Campeonato Regionais – e e Campeonato de Portugal, que devem passar respetivamente a Campeonato Nacional e a Taça de Portugal».
A proposta de Mário Oliveira foi sujeita a um escrutínio profundo. E, no dia 25 de outubro, O Relatório e Contas da FPF para a época de 1938/39, trouxe a letra de forma uma decisão que só poderá voltar a ser alterada em seio de novo Congresso Federativo. Diz o texto: «Por virtude das formas que se procederam no Estatuto e Regulamentos da Federação os Campeonatos das Ligas e de Portugal, passaram a designar-se, respetivamente, Campeonatos Nacionais e Taça de Portugal».
E assim, em 1939, Portugal já tinha um campeonato à moda da Europa, jogado em poule, casa e fora, passando o velho Campeonato de Portugal a ser Taça de Portugal, algo de tal forma explícito que o troféu entregue ao vencedor continua a ser o mesmo desde 1922.
Exige o Sporting, em anos recentes, ter 23 campeonatos no registo, por contar os Campeonatos de Portugal como campeonatos e não como Taças de Portugal, tal como ficou lavrado no documento em epígrafe. Enfim, cada um se bate pelo que lhe apetece, e poderiam Carcavelinhos (agora Atlético), Olhanense e Marítimo exigir, por essa linha de raciocínio, que os reconhecessem como campeões nacionais. Mas não podem. Exatamente porque, para isso, teria de haver uma decisão oficial votada em Congresso federativo para que se alterassem os estatutos das competições nacionais. Amanhã, Benfica e Braga vão encerrar o 99.º aniversário da Taça de Portugal. Todas as conversas de café em redor dessa verdade não passam disso mesmo: conversas de café. Siga a Taça!