por José Manuel Azevedo
Economista
As time goes by, uma canção de 1931, de Herman Hupfeld, imortalizada por Frank Sinatra e tantos outros intérpretes famosos, refere, nos seus primeiros ‘versos’, que, à medida que os tempos correm, os fundamentos continuam a aplicar-se: You must remember this / A kiss is just a kiss / A sigh is just a sigh / The fundamental things apply / As time goes by. Interrogar-se-á o leitor agora: onde quer este chegar?
Correndo o risco de ser apelidado de retrógrado, de estar fora dos tempos de hoje, quiçá até de outros epítetos, começo por destacar um excelente texto do meu grande amigo Manuel Boto, justamente aqui no Nascer do Sol, a propósito da vitória do Sporting Clube de Portugal no campeonato nacional de futebol sénior masculino, na corrente época. E destaco por pelo menos duas ordens de razões:
1. O facto de sermos adeptos ‘empedernidos’, mesmo sócios, de uma determinada agremiação desportiva, que queiramos sempre que o nosso clube ganhe e que os outros percam jogos e títulos, não pode impedir que se reconheça o mérito do trabalho alheio. Não vou escrever sobre os motivos que estiveram na base deste mérito; mas vou dizer que a isto chamamos isenção. Faz sentido prescindirmos deste atributo, apesar da evolução dos tempos? Não!
2. Em janeiro de 1978 (quase quatro anos depois de Abril de 1974) escrevia-se numa publicação do Núcleo de Voleibol do Liceu de Gil Vicente, de que me orgulho de ter feito parte, «O Se… de um desportista». Permito-me referir alguns desses ‘se’, a título meramente ilustrativo: «Se apoiares a tua equipa com aplausos e incitamentos; se no final aplaudires as equipas e os árbitros; se fores educado; se não quiseres humilhar os visitantes; se glorificares o vencedor e honrares o vencido», etc., etc., então demonstramos que somos civilizados e verdadeiros desportistas. Chama-se a tudo isto respeito e probidade. Podemos ignorar estes valores?
Outro grande amigo, daqueles que conhecemos com 15 anos e a amizade se mantém meio século depois, Luiz BC, chamou-me a atenção para uma iniciativa promovida pela Escola Secundária de Carcavelos – o ‘Dia da Saia’ – com o lema de que ‘a roupa não tem género’. Vai daí, e aparentemente porque vários alunos da Associação de Estudantes pediram, durante a campanha eleitoral, que se organizassem iniciativas que apelassem à tolerância, vários rapazes foram nesse dia para a escola usando saia.
3. Pergunto: depois da reação inicial, essencialmente de surpresa, a idêntico comportamento de um assessor de Joacine Katar Moreira, no Parlamento, alguém se lembrou mais disso? É mesmo preciso tomar medidas desta natureza para demonstrar que ninguém deve ser julgado pelo que veste? Agora que, como aliás alguém referiu neste semanário, quando vamos a um centro comercial vemos que a roupa tem efetivamente género, isso entra pelos olhos dentro, não é verdade? Será que o senso comum desapareceu?
Esta questão da igualdade de géneros lembra-me outra tendência hoje muito em voga (também proveniente de França, tal como o já aludido Dia da Saia): dirigirmo-nos a audiências compostas por mulheres e homens com o vocativo ‘todas e todos’. Por muito que a língua deva evoluir, creio haver princípios gramaticais a respeitar – no caso, a capacidade do quantificador todos se referir simultaneamente a pessoas do género feminino e masculino. Esquecemo-nos disso?
4. Foi em nome dessa mesma igualdade que a Universidade de Manchester retirou do vocabulário dos funcionários as palavras ‘mãe’, ‘marido’ ou as referências à idade. Diz essa prestigiada instituição que «a forma como escrevemos para e sobre as pessoas… pode excluir certos grupos com base na idade, raça, etnia, incapacidade, género ou orientação sexual». E dão alguns exemplos: mãe/pai passam a ser progenitores, mulher/marido passam a companheiros, etc. Expliquem-me qual a lógica, por favor.
Para terminar: o sentido da responsabilidade deixou de existir em Portugal? DGS, CML, PSP, todos andam a atribuir aos outros a ‘culpa’ pelo que sucedeu em Lisboa no dia dos festejos do título do Sporting. Ninguém esperava a manifestação de alegria incontida dos sportinguistas? Não se sabia que dois écrans gigantes, música e ‘comes e bebes’ nas imediações do estádio provocariam aglomerações? Por que carga de água o autocarro aberto demorou 3 horas a percorrer 6 km até chegar ao Marquês de Pombal? É preciso mais um inquérito para apurar os factos? Ou, antes, para ilibar as autoridades oficiais e o Governo, central e local, e ‘culpar’ apenas os portugueses, mesmo os que se comportaram devidamente?