Quando andava na catequese comecei a tomar consciência que o meu nome de família teria algo a ver com aquela história de Jesus. Senti-me triste por o meu nome ser associado ‘àquela traição’, mas fiquei mais conformado porque Judas teria havido muitos, incluindo um irmão de Jesus e um outro ‘Santo’, o Tadeu.
No começo da adolescência, com outro irmão, pareceu-nos que a nossa família seria mesmo de origem judaica: a localização perto da fronteira (Vila Boim, perto de Elvas) para onde muitos judeus se deslocaram nos primeiros tempos das perseguições, e, também, pelo tipo de profissões que eram praticadas na família (artífices carpinteiros, sapateiros, comerciantes de ovelhas, etc.) típicas dos judeus que não podiam possuir terras para trabalhar. O nosso tio Jacob era lá sapateiro e algumas vezes nos ofereceu umas sandálias para não irmos para a escola descalços.
Logo no início das nossas ‘viagens pelo mundo’ através da literatura, apaixonámo-nos por aqueles livros do Leon Uris sobre os embates entre os nazis e os coitados dos judeus: Exodus, Mila 18, As Colinas da Ira, etc. Foi aí, que definitivamente tomei posição pelos oprimidos, explorados, que formei a minha ‘opção de classe’.
Acompanhávamos, quanto podíamos, a formação e a vida nos kibutz comunitários e escrevíamos postais para a embaixada de Israel para nos mandarem panfletos e fotografias.
Mais tarde, esse mesmo irmão foi desenterrar a história antiga da família, desde os tempos da clandestinidade judaica até ao fim da Inquisição, quando os nomes judeus começaram a ser recuperados. Até hoje, desde então, que somos todos Judas, a finalizar os Josés e outros nomes bíblicos.
Há muitos anos, porém, que comecei a ficar muito desgostoso com muitos dos meus ‘primos’ de Israel: afinal não andavam eles a fazer a outros, mais fracos, o que lhes haviam feito antes?
Assisti na vida como os mais fracos, cujo flagelo parece nunca vir a ter fim, conseguem, ao fim de tantos sacrifícios e derrotas, reunir conhecimentos e forças para se libertarem da canga da opressão. Foi assim aqui em Portugal, foram os povos africanos colonizados e na África do Sul; foram os índios da América Latina, os asiáticos de todas as tonalidades, da Índia à China. Assim vai ser com os palestinianos.
Escorraçados aos milhões para fora das suas terras, vivendo por várias gerações em tendas nos países vizinhos, só se tornaram visíveis quando começaram, com atos terroristas (inferiores aos que haviam sofrido), a fazer explodir aviões e a matar atletas olímpicos israelitas. De repente, o mundo acordou para a existência miserável daqueles milhões de desgraçados. Mas não encontrou solução: pelo contrário, o Império fez de Israel o seu cão de guarda no Médio Oriente.
Andaram, muito tempo, com o fingimento dos “dois Estados” (os que, ingénuos, acreditavam, como o Isaac Rabin, haveriam de ser mortos), sempre a comer num deles, a torná-lo cada dia mais inviável e ridículo, enquanto em Israel se pratica o mais infame apartheid, com uma população de ‘primeira’, os ‘eleitos’, a mandar trabalhar os ‘grossos’, de ‘segunda’, os ‘infiéis’.
A ‘crise’ dos últimos dias mostrou várias coisas: que o problema já não é só um Hamas ‘terrorista’ e facilmente batível acantonado na pequena língua de terra; que este, mesmo assim, vai ter, com o tempo, a capacidade de fazer com que os aviões israelitas não voem e os tanques não ‘lagartem’; que o problema hoje muito maior, é a luta de libertação das populações árabes-palestinianas dentro do Estado de Israel, pelo fim do apartheid, pela liberdade e pela democracia, pela eliminação do Estado Confessional e Racista de Israel; que os países árabes irão todos, com o tempo, regressar ao apoio a esta reivindicação.
Parece-me a mim, hoje, que a solução passará pela existência de um Único Estado chamado Palestina, que inclua, numa base democrática, todas as populações aí existentes e mais aquelas, antes escorraçadas, que têm o direito de regressar. O atual Israel e o ‘mundo ocidental’ não são capazes de resolver bem o problema. ‘Deus os Inspire, a Todos!’.