Pela primeira vez, não haverá comemorações na Praça de Tiananmen evocativas de 4 de junho de 1989, nem sequer nos territórios que sempre se rebelaram contra Pequim. Em Hong Kong – onde a influência do Estado chinês se intensificou como nunca, mesmo perante protestos massivos – e Macau as celebrações foram proibidas, enquanto Taiwan, território cuja soberania é disputada pela China, enfrenta um surto brutal de covid-19, com proibição de ajuntamentos. Este ano, a memória do massacre de milhares de estudantes que contestavam o regime chinês, abatidos por militares, deverá ficar por eventos virtuais, ou relegada ao silêncio, salvo haja alguns rebeldes que desafiem a proibição.
“Devido às circunstâncias, faremos luto pelo 4 de junho da nossa própria maneira, no momento e lugar certo, para que a verdade não desapareça”, prometeu a Aliança de Hong Kong, dedicada a exigir responsabilização pelo massacre, num comunicado citado pelo Guardian.
No entanto, face ao clima de medo que se vive no enclave chinês, até esta organização – que viu o museu que geria dedicado ao massacre de Tiananmen fechado esta semana, após três dias aberto, por supostos problemas com as licenças – teve receio em se associar a quaisquer encontros físicos ou virtuais em memória do massacre.
Não é de espantar, dado que a vigília do ano passado – até 2019, Hong Kong era o único local na China com uma vigília autorizada a 4 de junho – resultou na detenção de 24 dirigentes de grupos pró-democracia, como Joshua Wong, E, desta vez, aqueles que desafiarem a proibição de sair à rua ainda enfrentam a lei de segurança nacional, imposta por Pequim, arriscando penas pesadas de prisão.
Já no resto da China, 4 de junho não é sequer tema de conversa, pelo menos abertamente. Os mais velhos certamente recordam esses dias em que a transição da China para uma economia de mercado causou uma inflação galopante, deitando gasolina nas exigências de democracia dos estudantes, que foram esmagados por tanques e tiroteio – mas os mais novos podem nem sequer ter ouvido falar no assunto, face a uma campanha de censura massiva.
Mais de trinta anos depois, a mera referência a Tiananmen ou a 4 de junho continua a ser fortemente censurada nas redes sociais chinesas, até com pais impedidos de prestar tributo aos filhos que perderam. Alguns chineses, como Yaqiu Wang, de 31 anos, só souberam do massacre em adultos – nem sequer tinham visto a famosa foto do Homem dos Tanques, cuja coragem espantou o mundo.
“Deixou-me desorientado”, contou Wang, hoje investigadora da Human Rights Watch, descrevendo a sua descoberta de Tiananmen, num internet café meio clandestino na sua província natal de Zhejiang.
“O sangue era macabro, chocante, confuso”, continuou, em declarações à Time. “Fez-me perceber a extensão do que o Governo chinês está disposto a fazer para suprimir críticas”, explicou. “E quem pode de facto dizer que não o fariam outra vez?”.