por Ana Maria Simões
André Ventura saiu de Coimbra, do III Congresso do Chega, com a liderança reforçada com 79% dos votos dos 377 delegados presentes, afastou três vice-presidentes, entre eles Diogo Pacheco de Amorim e Nuno Afonso – sendo que Pacheco de Amorim mantém-se ou reforça-se como éminence grise do partido, criando espaço e isolando Nuno Afonso.
Marta Trindade e Ana Motta Veiga são as duas mulheres na direção do Chega, onde a corrente do conservadorismo católico ganha peso com a chegada à vice-presidência de Pedro Frazão. António Tânger Correia e Gabriel Mithá Ribeiro, eleitos no congresso de Évora, mantêm-se como vice-presidentes. E assim está feita a direção que tem como moção, e intenção, Governar Portugal.
O Congresso decorreu durante o fim-de-semana de 29 e 30 de maio. No dia seguinte, na segunda-feira, André Ventura acompanhou Matteo Salvini ao Santuária de Fátima. Estiveram juntos em oração. Salvini foi o convidado de honra deste último congresso do partido liderado por Ventura, o terceiro em pouco mais de dois anos de existência do Chega.
Sobre o presente e o futuro do Chega e a vinda a Portugal do líder da Liga Norte – o partido de extrema-direita de Itália, que desde os tempos de Berlusconi tem feito parte de diversos Governos –, o Nascer do SOL falou com outro italiano, o investigador Riccardo Marchi, cientista político nascido em Pádua e que vive em Lisboa há quase de duas décadas. É atualmente professor do ISCTE-IUL e investigador do CEI-IUL, a sua área de investigação é o radicalismo de direita, também por isso acompanha o nascimento do Chega desde as primeiras horas e sobre o assunto publicou, em 2020, A Nova Direita Anti-Sistema – o caso do Chega.
A conversa começou, justamente, pela vinda de Matteo Salvini a Portugal e a ligação de André Ventura e do Chega a outros partidos europeus de extrema-direita. «A vinda de Matteo Salvini a Portugal faz parte de uma estratégia de longo curso do Chega, uma estratégia que começou, pelo menos, na primavera de 2020», explica Marchi, para quem «uma das prioridades do partido foi a de se projetar internacionalmente, de se ligar às famílias políticas europeias para passar, rapidamente, de uma realidade nacional, portuguesa, para ator político europeu».
Na primavera de 2020, o Chega procurou perceber qual a família política que mais lhe convinha dentro do populismo radical da direita europeia. O Parlamento Europeu (PE) tem dois grupos que agremiam esses partidos políticos: os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), liderado pelos polacos do Partido Lei e Justiça (PiS), grupo que inclui os italianos do Fratelli d’Italia e os espanhóis do Vox; e o Identidade e Democracia (ID), onde estão os italianos da Liga Norte, de Salvini, e os franceses do Rassemblement National, de Marine Le Pen. Para o investigador, e no momento de fazer uma escolha, «prevaleceu uma ideia de marketing». O Chega optou pela família dos dois nomes mais sonantes da extrema-direita europeia: «Se formos aceites neste grupo, podemos viver um bocado da luz reflexa destes dois nomes», concluiu Marchi, traduzindo o pensamento de partido de Ventura, sendo que não há diferenças essenciais entre os dois grupos.
A ida de Matteo Salvini a Coimbra – e antes dele esteve em Lisboa, em Janeiro deste ano, no arranque da campanha eleitoral para as presidenciais, Marine Le Pen – enquadra-se nessa lógica. Numa primeira fase, o Chega ainda tentou uma aproximação aos espanhóis do Vox, liderado por Santiago Abascal. Houve reuniões em Madrid, entre dirigentes dos dois partidos, mas que não se transformaram em nada, porque «o Vox é um partido que tem muito cuidado onde põe os pés» – nas palavras de Marchi, e, muito provavelmente, os espanhóis não estão interessados num partido que por agora só tem 1,3% dos votos e um deputado no Parlamento. E essa é a forma como o Chega ainda é visto na Europa, apesar dos partidos congéneres europeus terem noção de que o partido de André Ventura é uma força em ascensão.
«O Vox é aquilo que o André Ventura gostava de ter, um partido com 15% do eleitorado, que retira votos aos partidos do centro-direita e mesmo à extrema-esquerda em zonas como a Andaluzia, o equivalente ao Alentejo português. E o interesse em chegar aos 15% dos votos é também porque chega um monte de dinheiro, quer da subvenção pública, quer de doações privadas, de empresários. O Chega cresceu muito, tem muita atenção mediática, mas tem pouco recursos, precisas de bons assessores, de outro tipo de quadros, tanto nacionais como locais», esclarece Riccardo Marchi. E prossegue: «A política custa, a política não é barata, e o Chega tem pouco dinheiro, duvido que receba muito dinheiro de empresários, os empresários portugueses não têm dinheiro, e os empresários portugueses não são os espanhóis. O Chega precisa de ganhar eleitorado, consolidar-se e sair da margem dos 9% das intenções de votos, tem de passar aos dois dígitos da votação».
Há uma outra ideia que perpassa pelo Chega na sua ligação com estes dois nomes da extrema-direita europeia: tanto Salvini como Le Pen são dois nomes que fazem parte de forças partidárias normalizadas nos seus países, a Liga Norte tem feito parte de Governos italianos e Marine Le Pen, de acordo com sondagens recentes, pode disputar com Emmanuel Macron a segunda volta das presidenciais francesas em 2022. Ou seja, um e outro são actores políticos relevantes, «e é esse o caminho de Ventura, colocar-se como ator político imprescindível para um Governo de direita em Portugal», afirma Marchi.
De Évora a Coimbra, o que mudou
«Há uma grande diferença entre Évora e Coimbra: em Évora houve três votações até a direção de Ventura ser aprovada, em Coimbra houve uma única votação, o que indica que o partido foi normalizado por dentro, houve uma série de procedimentos internos que diminuíram a contestação, há uma ausência de contestação interna com os poderes concentrados em dois homens: André Ventura e Diogo Pacheco de Amorim», afirmou Marchi. E, continua, “não existem dentro do partido correntes oficializadas e bem estruturadas, não há negociações para a direção, as correntes mais à esquerda ou mais à direita dentro do partido, no limite, podem surgir nomes que André Ventura pode aceitar ou não, porque é ele quem decide, e decide por quem é da sua absoluta confiança».
Para Riccardo Marchi, André Ventura «consolidou o poder dentro do partido, todas as diferentes correntes do Chega, todos eles, sabem perfeitamente que a mais-valia do partido é o André Ventura, se o Ventura sair, aquilo desaparece de um dia para o outro, e mesmo que muita dessa gente não esteja satisfeita, nada fará. Esta centralização de poder corresponde à influência dos conservadores católicos dentro do partido, o que gera muita insatisfação por parte da componente laica, que é igualmente forte. Seja como for, e por agora, André Ventura é intocável».
Entre os vários assuntos a que a comunicação social deu destaque no pós-congresso de Coimbra está o afastamento do vice-presidente Nuno Afonso, um dos cofundadores do Chega com Ventura. Para Riccardo Marchi «sacrificar Nuno Afonso pode ter graves consequências no futuro», também porque ele é o coordenador autárquico do partido. O resultado das autárquicas pode ser utilizado a favor ou contra Nuno Afonso, mas é Ventura que vai ter de responder por isso.
Por agora, o Chega colocou a fasquia – não em conquistar câmaras, que é improvável – mas em obter uma votação global nacional que o coloque como a terceira força partidária, logo a seguir ao PS e ao PSD, nos tais 15% dos votos – ainda que em recente entrevista à TVI24, Ventura tenha desviado o foco para as legislativas –, qualquer votação abaixo do BE será uma derrota. E para isso Ventura precisa do partido mobilizado e oleado, e incompatibilizar-se com o coordenador autárquico e candidato pelo Chega à Câmara de Sintra pode não ser boa ideia.
Uma questão de discurso
Até porque o líder do partido da direita radical em Portugal tem um outro problema: para Marchi, «o discurso de André Ventura já está gasto», ou seja, não vai ultrapassar «os 9% das sondagens ou mesmo os 12% das presidenciais». O académico acredita que há a possibilidade de o Chega crescer para os dois dígitos com um discurso populista da direita radical, mas que não se esgota no discurso de André Ventura, que já atingiu níveis consideráveis de saturação. É preciso diversificar o discurso, aprofundar o discurso, aproveitar os casos que ocorrerem em Portugal, como Odemira ou as rotas migratórias ilegais do Algarve, e os níveis de insatisfação dos portugueses em relação ao funcionamento da democracia: «Os portugueses não são antidemocráticos, só estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia».