A polémica sobre a organização das comemorações do cinquentenário do 25 de Abril resulta da desconsideração sobre o sentido de unidade da revolução e era escusada.
É muito significativo o reconhecimento consensual sobre a escolha do Presidente da República no general Ramalho Eanes para presidir às comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a polémica sobre a contratação do responsável executivo e a omissão do papel da Assembleia da República neste processo.
Estas opções têm um significado e consequências. A democracia dispensava esta polémica que a enfraquece e o 25 de Abril precisava de um sinal de reafirmação do sentido de unidade que foi a causa do seu sucesso.
Não está em questão a escolha concreta de protagonistas, mas o modo como foi efetuada a escolha. E também não devem estar em causa as condições para o desempenho destas funções. Aliás, as críticas aos vencimentos e a outras condições revelam um crónico vício de inveja e de argumentos populistas.
Apenas o descuido que resulta nesta precipitação justifica a forma como o Governo conduziu o processo. A alternativa é admitir a governamentalização ou, ainda mais grave, a partidarização da comemoração do 25 de Abril. Se assim fosse, tratar-se-ia da recuperação da apropriação da revolução – que se julgava já estar ultrapassada.
A principal causa e consequência do 25 de Abril foi a conquista da democracia e da pluralidade. Foi este desidrato que uniu os portugueses e a materialização deste objetivo foi a criação de partidos políticos, a realização de eleições livres e a afirmação do Parlamento enquanto Casa da democracia.
Neste contexto, a imposição pelo Governo do responsável para conduzir as comemorações da revolução de Abril, ignorando a importância central de sustentar esta escolha no envolvimento e no compromisso alargado aos diferentes partidos representados na Assembleia da República, deturpa e enfraquece o sentido de Abril.
Não é certo que fosse possível encontrar uma solução consensual para dirigir as comemorações do 25 de Abril. Agora nunca se saberá. Certo é que não houve esse esforço. A autoridade dessa tentativa e o compromisso plural na renovação da importância do 25 de Abril foram sacrificados em nome de uma solução sectária que retira o foco do essencial da revolução.
Em vez de se falar e promover as conquistas que o 25 de Abril permitiu ou impulsionou, como a liberdade, a democracia, o poder autárquico, as autonomias regionais ou o desenvolvimento social e económico, estamos a falar sobre escolhas de defensores do partido do Governo ou de questões mesquinhas como vencimentos.
Tudo isto poderia ter sido evitado se o pressuposto fosse, como foi o exemplo da escolha do Presidente da República, o sentido de unidade e a promoção dos valores de Abril e se a escolha tivesse procurado um consenso baseado na pluralidade partidária.
Veremos se, em nome dos valores de Abril, ainda é possível corrigir e recuperar a credibilidade que a comemoração da data fundadora da democracia em Portugal merece e precisa.