Assumo as minhas responsabilidades gerais». Foi desta forma que Vítor Constâncio – governador do Banco de Portugal até 2010 e depois vice-presidente do Banco Central Europeu – respondeu aos deputados onde esteve a ser ouvido na comissão de inquérito ao Novo Banco. No entanto, lamenta que não tenha sido alertado em relação à exposição do BES ao BES Angola (BESA).
E foi mais longe ao lembrar que só a partir de 2010 e 2011 é que passou a existir uma maior exposição ao BESA e que isso é visível pelos números: passou de 939 milhões de euros em 2009 para 6.100 milhões de euros em 2013. «Esse crédito era a entidades privadas locais, que se revelou ser um crédito malparado, e que na parte final do processo conduziu a perdas. Não foi o investimento em dívida publica que causou essas perdas, nem o risco cambial justificaria tais perdas», considerou.
Constâncio recordou ainda que nesse ano de crise houve medidas excecionais para os bancos. E mesmo tendo o grupo BES regularizado o pequeno excesso de exposição, o BdP escreveu uma carta a pedir um plano de redução dessa exposição que não passou por si. Em causa está o aumento de exposição do BES para o BES Angola de 20 para 1.750 milhões de euros num ano. «Não fui alertado para esse salto, mas compreendo que esse aumento foi dedicado à subscrição de dívida pública angolana por parte do BESA».
O ex-governador garantiu ainda que, apesar de ser responsável pelo setor, não significa que conheça todas as decisões da supervisão. «O governador é o último responsável, mas não significa que conheça todas as decisões tomadas ao nível da supervisão» e recordou que nesse ano houve medidas excecionais para os bancos. E afirmou que, mesmo com o grupo BES regularizado, o BdP escreveu uma carta a pedir um plano de redução dessa exposição que não passou por si. Em causa está o pedido à Espírito Santo Financial Group (ESFG) de um plano de redução da exposição até 2012 para assegurar que não haveria qualquer excesso até final desse ano.
Mas deixou uma garantia: a resolução do BES, que se concretizou em 2014, foi «melhor do que a liquidação», afirma Constâncio. Se se tivesse concretizado esse cenário, teria sido «muito pior». E na altura da resolução, quando era vice-governador do BCE, garante que não foram discutidas em Frankfurt nenhuma das alternativas «teóricas» à resolução, incluindo a hipótese de recapitalização do banco, «que poderia ser essencialmente privada ou ter uma componente pública».
Uma solução que está longe de ser pacífica junto do antigo secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, ao garantir que a resolução do BES em 2014 foi um «embuste», acusando o Governo de Pedro Passos Coelho de ter mentido e de ter enganado os portugueses.
E dá exemplos: «O Novo Banco era novo, mas não era bom e os ativos estavam sobreavaliados, pelo que, em novembro de 2015, já tinha necessidades de capital de pelo menos 4,5 mil milhões e estava na prática insolvente», acrescentando que «não foi surpresa» que nenhum investidor quisesse comprar o Novo Banco por 4,9 mil milhões de euros.
O atual vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI) considerou ainda que a passagem de obrigações do Novo Banco para o BES, em 2015, teve «proporções sísmicas» para a reputação económica nacional, responsabilizando o Banco de Portugal. Em causa esteve a retransmissão de seis séries de obrigações seniores do Novo Banco para o BES em liquidação, no valor de dois mil milhões de euros.
«Não está aqui em causa a legalidade do ato. Está em causa o impacto do ato. Teve um impacto reputacional sobre a República Portuguesa de proporções sísmicas», disse na sexta-feira no Parlamento. E acrescentou: «A decisão foi percecionada como uma imposição do Governo ao Banco de Portugal. Uma alteração radical do rumo da política económica portuguesa. ‘Exproprie-se’. Foi precisamente o contrário. Foi uma decisão tomada pelo BdP contra a opinião do Governo», afirmou.
Venda em segredo
Mas apesar de todas as expectativas estarem centradas no contrato de compra e venda do Novo Banco à Lone Star, a Nani Holdings, acionista da instituição financeira com 75%, recusou esta sexta-feira a divulgação pública dos contratos de venda e de capitalização contingente relativos ao banco, de acordo com carta enviada ao Parlamento.
Numa missiva enviada à comissão parlamentar de inquérito sobre o Novo Banco, disse que «lamenta informar que não pode conceder o pedido de levantamento de confidencialidade solicitada, e que os contratos permanecerão confidenciais e serão tratados como confidenciais».
Recorde-se que o pedido de levantamento da confidencialidade, respeitando restrições relativas ao nome de devedores do Novo Banco e a matérias de segredo comercial, tinha sido feito pelo grupo parlamentar do PSD.
Prémios polémicos passaram em branco
O presidente do Conselho Geral e de Supervisão do Novo Banco mostrou-se surpreendido com a retenção de 112 milhões de euros na injeção que o Fundo de Resolução (FdR) fez na instituição financeira. «Esta retenção de 112 milhões é muito surpreendente, inesperada, não tem qualquer fundamento e está em violação dos mecanismos contratuais previstos», disse Byron Haynes, ouvido na comissão de inquérito.
Em relação às remunerações e bónus na instituição financeira garantiu que os supervisores nunca foram contra. «Estou muitíssimo ciente do interesse público. Acredito que também é a favor do interesse público ter um Novo Banco viável, que invista na economia portuguesa, nos seus clientes e nas PME [Pequenas e Médias Empresas], assim como nas grandes».
Ainda na semana passada, o ministro de Estado e das Finanças criticou os prémios atribuídos aos administradores do Novo Banco por não serem adequados nem aceitáveis, considerando que o banco contornou as limitações existentes para o seu pagamento. Em causa está o pagamento de 1,86 milhões de euros em prémios que serão diferidos para 2022, após concluída a reestruturação do banco.
Byron Haynes disse ainda que acredita ser do interesse público «reter e atrair a melhor equipa de líderes disponível para fazer com que o Novo Banco passe por estes períodos conturbados». E salientou: «Temos que manter esta equipa de liderança para continuarmos a orientar o banco com segurança neste caminho de viabilidade».
Banqueiros opinam
«Infelizmente tive razão» em relação às necessidades de capital do Novo Banco subsequentes à resolução. A garantia foi dada, esta semana pelo antigo presidente executivo e atual chairman do BPI. Ainda assim, considerou a recuperação da instituição uma «história de sucesso».
No entanto, defende que é «relevante» saber se as perdas na instituição financeira «foram geradas até agosto de 2014», ou depois. E aí garantiu não ter elementos para responder. Mas deixou a sua opinião: «A minha impressão, a minha perceção, a minha sensação, com base na minha experiência e daquilo que fui observando, é que uma parte muito significativa destes 16,4 mil milhões de euros de capital utilizados para cobrir prejuízos, se deveu a decisões tomadas antes de agosto de 2014».
Quanto à responsabilidade por esta situação apontou o dedo aos antigos acionistas do BES porque «não controlaram nem supervisionaram adequadamente a atuação dos órgãos de administração», deixando uma palavra de tranquilidade em relação ao trabalho dos reguladores. «A regulação e supervisão bancárias atuais são fortíssimas, competentes, independentes e muito intrusivas». E lembrou: «Se houve coisas que não correram bem no passado, estão ultrapassadas. É um problema resolvido».
Ulrich também esclareceu o interesse do BPI na compra da instituição financeira, mas a ideia seria criar um outro banco mau, mas acabou por ser vendido à Lone Star, no entanto, admitiu que «eram montantes maiores do que a proteção que a Lone Star pediu» e, para tirar ativos do balanço do banco, «era preciso compensar isso com capital».
Também Miguel Maya esteve a ser ouvido no Parlamento, mas preferiu chamar a atenção para a proteção que a Lone Star pediu preferir «justiça» e «equidade» nas contribuições da banca para o Fundo de Resolução, considerando que este é «enorme fardo» para os bancos. «Não me parece que seja bom para Portugal e para as instituições (financeiras) sedeadas (no país) manter este mecanismo de contribuições», disse o CEO, lembrando que só o BCP paga 47 milhões de euros por ano de contribuição para o Fundo de Resolução e de contribuição extraordinária sobre o setor bancário. A somar a isto há que contar ainda com as contribuições anuais para o Fundo Único de Resolução europeu. No total, o banco despendeu 64,1 milhões de euros em 2020.
«O BCP é o maior contribuinte do ponto de vista proporcional. Quanto menores encargos tiver o Fundo de Resolução, menos vou pagar. Estou claramente interessado em que o Fundo tenha menos encargos», disse o banqueiro.
E regulador também…
As avaliações aos imóveis do Novo Banco também foi alvo de análise no Parlamento, com a presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a garantir que foram registados desvios em comparação com outros bancos, no entanto, Gabriela Figueiredo Dias também garantiu que essas diferenças são resultado de métodos diferentes na avaliação dos pressupostos, contexto e objetivos económicos, embora considere que os diferentes métodos «são legítimos».
Tal como i avançou esta semana, o Novo Banco enviou para a Comissão de Inquérito uma breve análise comparativa sobre vendas e avaliações de grandes empreendimentos verificados no mercado recentemente e valores registados nas contas do Banco.
Desta lista constava o projeto Matinha, imóvel ainda não licenciado cujo valor de venda foi de 140 milhões de euros, ligeiramente acima da sua avaliação (com um valor por metro quadrado de 545 euros, 21% acima de transações comparáveis) e a herdade do Pinheirinho, no litoral alentejano, vendida por 60 milhões de euros e abaixo do valor de avaliação (mas 16% acima da média verificada para os comparáveis).
O Novo Banco também fez o exercício para efeitos da avaliação do imóvel das Amoreiras ainda em posse de um fundo de investimento detido maioritariamente pela instituição financeira que está cerca de 12% acima do valor de imóveis comparáveis. Este exercício, baseado em fontes públicas e de acesso geral, teve como objetivo anular qualquer dúvida existente sobre o profissionalismo e a competência da estratégia de venda de imóveis levada a cabo pelo Novo Banco.
É certo que a audição da presidente da CMVM ficou marcada pelo polémico documento feito pelo regulador sobre a resolução do BES, e levou a adiar a audição de Carlos Tavares, que será entretanto remarcada. Ainda assim, Gabriela Figueiredo Dias considerou que este documento não deve ser visto como um «relatório» nem como «autoavaliação», mas como um «documento que é um repositório de informação sobre factos, sem qualquer análise crítica nem julgamental» sobre o que foi feito pelo regulador do mercado na resolução do BES, em 2014, nas diversas áreas de supervisão.
E acrescentou: «É tão secreto quanto toda a outra atividade de supervisão da CMVM», justificando ainda a ausência de envio de documentação à comissão de inquérito pelo facto do regulador de mercado estar sujeito ao segredo de supervisão, garantindo que aguarda o levantamento do segredo, e que a maioria da informação presente no documento já foi passada à anterior comissão de inquérito ao BES, advertindo os deputados para não terem «grandes expectativas» sobre o seu conteúdo, pois não tem «nada de particularmente novo».