Há pessoas que têm vidas absolutamente ‘encaixadinhas’. Fazem dos seus dias um jogo de tetris. Depois de uma perfeita noite de sono, correm das 7 às 8. Depois do banho das 8 às 8.15, comem uma laranja e um iogurte. Saem às 8.30 para chegar ao trabalho às 09.15 (apesar de ser só meia hora até ao destino, elas são tão atentinhas que sabem haver engarrafamento naquele dia). Às 13.00 vão almoçar com uma amiga que não viam há 83 anos. Depois do almoço – que correu maravilhosamente bem e em que puderam acabar o petit gâteau sem pressa –, voltam para o trabalho. Às 17.00 em ponto, como são supereficientes, não só acabaram o trabalho como adiantaram para amanhã… Saem do trabalho e vão tomar o batido de melancia e abacate que tinham marcado com outro amigos antes da aula de pilates. Às 20h00 chegam a casa relaxadíssimas e felizes com ‘mais um dia no bolso’ #lifeisgood #ilovelife. Como são super adultas, de manhã haviam já deixado um bife de perú a descongelar – o apogeu da maturidade. O bife saiu ótimo e ninguém se sujou a cozinhá-lo. Vão depois finalmente para o sofá (em que encaixam perfeitamente e que nunca é desconfortável) ver uma série.
Já a bichos como eu, as coisas jamais correm como esperadas. Correm invariavelmente mal aqui e ali: a vida vai-nos atropelando de triciclo nas passadeiras do dia. Para começar, só se acorda quando se dorme. E para aqueles que sofrem um poucochinho de insónias, basta isso para colocar em xeque o ‘dia perfeito amo-te vida’ que poderia estar no horizonte. Depois, mesmo que haja uma boa noite de sono – que vai havendo –, há logo outra roleta russa: acordar com ou sem enxaqueca. Suponhamos que as coisas até estão a correr bem: enquanto a nossa personagem de cima tomou um banho eficiente depois de um jogging eficiente, eu, que pretendia demorar três minutos no banho e cinco a vestir-me, acabo por demorar quinze para cada tarefa – ora porque no banho me distraio com pensamentos idiotas, ora porque não tenho calças ou boxers lavados e tenho de ir buscá-los à Patagónia. Desço, em contrarrelógio, para reparar que a besta da máquina de café está entupida de cápsulas. Saio para o trabalho e, ou tenho um crocodilo a dormir em cima do capô, ou apanho trânsito. Lá chego, com nódoas da máquina de café. No trabalho, em vez de ser eficiente (odeio esta palavra), perco-me num buraco negro da Wikipedia sobre as palavras japonesas com origem portuguesa. Hora de almoço: nem queria. Lá vou, feliz da vida, e o empregado decide juntar uma pintura às minhas calças. Peço petit gâteau, mas o sacana ainda vem congelado. Volto ao trabalho. Saio e, no momento em que ia ter algum tempo para mim, alguém me telefona horas a derramar histórias tristes às quais não poderei rejeitar alento. Suspirar. Acabo a chamada às 21:30: jantar. «Merda, esqueci-me de pôr o bife a descongelar». Acabo por jantar uma lasanha manhosa do Pingo Doce que, em solidariedade com o petit gâteau, também decidiu não aquecer. Suspirar. Lavar pratos. Hora de ler: não arranjo porra de posição confortável no sofá e não encontro o pano de limpar os óculos. Leio três páginas e começo a ouvir as melgas: a minha orelha é a pista do Mónaco e elas são minis fórmulas-um. Zum. Nem ler, nem descansar: apenas melgas a sacar peões no meu ouvido. Capítulo às melgas e decido deitar-me. Fecho os olhos e o sr. Cérebro faz questão de me lembrar que estou, segundo a segundo, a caminhar em direção ao abismo e que não há forma de contornar isso. Obrigado pela simpatia, meu cabrão.
É assim, estar vivo. Divertido, hein?… Enfim… mesmo que alguns de nós não tenhamos muito jeito para isto, para já, tudo indica que seja melhor do que estar morto. Zum.
*Tudo isto é absolutamente fantasiado e em nada compromete ou poderá comprometer o meu rigor profissional.