por Felícia Cabrita, Joana Faustino e Maria Moreira Rato
A investigação criminal é isto mesmo, nem todas as histórias acabam em tragédia», começa por afirmar ao Nascer do SOL José Monteiro, coordenador da Polícia Judiciária (PJ) da Guarda, que tem a seu cargo o desaparecimento de Noah, de 2 anos e meio, em Proença-a-Velha, concelho de Idanha-a-Nova. Os indícios até agora recolhidos apontam para um «desaparecimento espontâneo».
José Monteiro acredita que «a criança saiu da casa dos pais, fez o trajeto para ir ter com o progenitor e, a determinada altura, ao andar, entrou no buraco de uma sebe de uma quinta vizinha». Como Noah tem uma estatura menor do que a cadela Melina, conseguiu passar pelo espaço exíguo e a cadela ficou ali, provavelmente desesperada, uma vez que foram encontrados os seus pelos no local.
O responsável da PJ_também tem uma explicação para o aparecimento misterioso das peças de roupa e de calçado. «Tinha chovido, o terreno estava molhado, ele levava uma fralda, os calções e estava tudo molhado», avança, colocando como hipóteses deste surgimento gradual dos objetos «a chuva que se fazia sentir, o facto do terreno estar molhado» e também «a zona agreste com declives e frustração».
Foi a descoberta da cadela, que nunca abandonou o local onde esteve com o menino pela última vez, e das várias peças de roupa que foram encontradas no terrereno que colocaram as autoridades na pista certa. Isto faz com que José Monteiro se reúna com a GNR logo no dia seguinte para mudar a orientação das buscas. Uma hora depois, encontravam, Noah.
«Como seria de esperar para uma criança a andar sozinha, ao fim de quase 40 horas, ficou com arranhões nos pés e nas pernas, estava sujo, tinha mazelas nos pés e nos braços – coincidentes com o percurso que fez – e não estava subnutrido como tem vindo a ser divulgado», garante, adiantando que Noah «já tinha ido ao encontro do pai duas ou três vezes», sendo este de nacionalidade belga e não uruguaia como tem sido veiculado. A seu lado, a mãe, Rita Caupers de Bragança, é neta do escritor Nuno Caupers de Bragança, autor, entre outros, da obra A Noite e o Riso.
«É um sobrevivente», avança, rematando que «40 horas é uma eternidade para encontrar uma criança, mas, numa investigação não é nada e nem tudo é suspeito».
Mais de mil crianças e jovens estiveram desaparecidos
No passado dia 25 de maio, data em que se assinala o Dia Internacional da Criança Desaparecida, no webinar intitulado de Crianças Desaparecidas e Exploradas Sexualmente, Carlos Farinha, diretor-nacional da PJ, explicou que estiveram 1.011 crianças e jovens até aos 18 anos desaparecidas em 2020, sendo este «um número substancialmente mais baixo» do que aquele que foi registado em anos anteriores.
Na ótica de Farinha, esta redução está «seguramente» relacionada com o novo coronavírus. Dos 1011, 868 jovens desaparecidos tinham entre 14 e 17 anos, 90 tinham entre 11 e os 13 anos e 53 crianças tinham até 10 anos.
No entanto, o diretor-nacional da PJ_deixou claro que nestes dados «não estão todas as crianças desaparecidas» em território nacional, pois, muitas das vezes, os números da PSP e da GNR não integram as estatísticas. Para a existência de «uma radiografia exata sobre o que se passa neste grupo», urge levar a cabo um melhoramento do apuramento de dados.
O webinar contou também com a presença de Dulce Rocha, presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC), que apelou a que seja prestada mais atenção «aos grandes fenómenos que estão na origem do desaparecimento» das crianças, como a exploração sexual e tráfico de seres humanos. Contudo, realçou também as «situações chocantes» que as crianças e os jovens que vivem em instituições experienciam, até porque «a fuga tem consequências irreversíveis».
Seis crianças procuradas
Quando se navega pelos sites oficiais da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas (APCD) e da PJ, constata-se que, atualmente, existem sete crianças dadas como desaparecidas em termos oficiais, ainda que uma delas seja somente mencionada pela APCD devido ao facto de, como o Observador noticiou em 2019, o processo ter sido encerrado pela Justiça: Cláudia Alexandra Silva e Sousa, desaparecida a 13 de maio de 1994, quando ia a caminho da escola no pequeno lugar de Lamela, freguesia de Oleiros (Vila Verde).
Há mais casos como o de Cláudia. Rui Manuel Pereira desapareceu, em Famalicão, em 1999, quando brincava no Parque de Sinçães. Sabe-se que, naquela tarde do dia 2 de março, foi chamado pelo condutor de um automóvel, onde entrou. A fotografia do menino de 13 anos já não pode ser encontrada no site oficial da PJ, não só porque a investigação lutou sempre contra a falta de provas, mas também porque a força de segurança anteriormente mencionada fechou o seu caso em 2007.
À sua vez, Jorge Manuel Duarte Lopes Sepúlveda, natural de Massarelos, no Porto, tinha 14 anos quando desapareceu, a 15 de agosto de 1991. Também João José Gomes Teles – de 16 anos e estudante do 9.º ano – deixou de ser visto, mas a 6 de outubro de 1998, no Largo do Machiqueiro – em Câmara de Lobos, na Madeira – pouco tempo depois do desaparecimento de Rui Pedro.
Além de Cláudia, existem outras cinco crianças que ainda são ativamente procuradas pela PJ. O paradeiro de Hélder Alexandre Ferro Pagarim Cavaco é desconhecido desde 28 de janeiro de 1990, tendo desaparecido na zona da praia de São Torpes, em Sines. Era praticante de surf.
Rui Pedro Teixeira Mendonça, um dos casos mais mediáticos, desapareceu a 4 de março de 1998, aos 11 anos, em Lousada, no distrito do Porto. Há dois anos, volvidos vinte anos, foi declarada a morte presumida do menino. No entanto, Ricardo Sá Fernandes, advogado dos pais da criança, iniciou um processo contra o Estado português por «falhas gravíssimas» na investigação.
Sofia Catarina Andrade de Oliveira, com dois anos completados há menos de um mês, desapareceu a 22 de fevereiro de 2004. No site oficial da PJ, é possível ler que «a criança foi subtraída à mãe pelo pai, por volta das 20h45, no centro de Câmara de Lobos». Sabe-se que o progenitor terá apanhado um táxi e, depois, boleia de um familiar, sendo deixado com a filha, pelas 21h30, no Caniço de Baixo. «Por volta das 23h30m, o pai da criança deslocou-se à Esquadra da PSP de Câmara de Lobos, onde se encontrava a mãe a participar o desaparecimento da menor, altura em que aquele já não trazia a filha consigo».
Um ano depois, entre 1 e 31 de maio de 2005, desapareceu Tatiana Paula Mesquita Mendes ou Odete Araújo Freman ou Odete Araújo Freman Frima. O nome da menina, então com seis anos, deixa margem para o questionamento porque terá sido «adotada» por um casal com a concordância da mãe, tendo vindo com o mesmo para Portugal, partindo da Guiné-Bissau, em maio de 2004. «Porém, cerca de um ano depois, em maio de 2005, a mãe adotiva passou a informação que a menor tinha por si sido entregue a uma outra pessoa, ainda em 2004, e que a menina tinha falecido depois algures na zona de Badajoz/Espanha, em acidente de viação», veicula a PJ.
A nove dias de completar quatro anos, a 3 de maio de 2007, Madeleine Beth McCann foi vista pela última vez. O seu rasto perdeu-se pelas 22h40, no Ocean Club, na Praia da Luz, em Lagos. O desaparecimento ocorreu quando estava sozinha no apartamento com os irmãos.