A ver se nos entendemos…

por José Manuel Azevedo Economista

A primeira Liga e Taça de Portugal em futebol sénior, sem público; final do campeonato nacional de rugby¸ sem público; Final Four das competições ditas amadoras, sem público. Final da Champions League, no Porto, com público; com público? Mas por que carga de água?

Já se escreveu muito sobre este tema, pelo que apenas me resta manifestar profunda tristeza pela incoerência dos nossos governantes, pela sua incapacidade de assumir responsabilidades quando algo não corre bem – como foi, manifestamente, o caso no dia 29 de maio, no Porto; pelo desrespeito que demonstra pelos portugueses; e ainda mais pela subserviência que sempre evidenciamos perante terceiros, sejam eles os nossos mais antigos aliados ou não…

Resolvi então analisar esta decisão do (des)Governo português e da UEFA, de cá realizar a final, noutra perspetiva, a do impacto económico para o país, para a região.

Mesmo sabendo que informação estatística recente não estaria disponível, com exceção do contributo do site sibsanalytics.com (excelente serviço da SIBS!), comecei por pesquisar dados do INE, do Turismo de Portugal, da comunicação social, em resultado do que aqui deixo algumas reflexões e interrogações:

1. Segundo um texto dum diário de fevereiro de 2005, o impacto económico do Euro 2004 terá sido, em termos de valor acrescentado, de aproximadamente 440 milhões de Euro, 140 dos quais associados ao turismo. De recordar que se tratou duma competição que se prolongou por vinte e três dias – de 12 de junho a 4 de julho – disputada por 16 seleções nacionais, em distintas cidades do país.

2. Nesse ano de 2004, Portugal recebeu 5,8 milhões de turistas estrangeiros, comparando com 5,5 milhões no ano anterior. Nos meses de junho e julho de 2004, em que se realizou o Euro, recebemos 1,2 milhões de estrangeiros, o que compara com 1,1 milhões no ano anterior. Ou seja, e assumindo que tudo se devesse à competição a que nos referimos, o Euro 2004 terá trazido a Portugal apenas mais 100 mil turistas…

Legítima será, portanto, a seguinte pergunta: a final duma competição europeia de clubes de futebol, disputada apenas num dia, terá tido assim tanta relevância no plano económico, na retoma do turismo?

Bem sei que, entretanto, o país progrediu imenso – recebemos, em 2019, 16,4 milhões de turistas estrangeiros (quase 2,8 vezes mais do que 15 anos antes), dos quais os britânicos representaram, em Portugal Continental, um pouco mais de 2,1 milhões, correspondendo a cerca de 13% do total. Curiosamente (ou talvez não), Espanha trouxe a Portugal mais 140 mil turistas do que os britânicos, tendo França representado 1,6 milhões e Alemanha 1,5 milhões. Nova pergunta: não poderemos fazer algo mais para substituir o turismo britânico, em especial agora, quando o país abandonou a União Europeia e coloca a cidadãos portugueses toda a espécie de dificuldades à entrada?

Já com recurso ao site sibsanalytics.com, investiguei um pouco mais. E descobri que:

• Em toda a região Norte, o valor das transações (pagamentos eletrónicos e numerário) feitas com recurso a cartões do Reino Unido passou de € 2.5 milhões em abril para € 7.2 milhões em maio. ‘Afunilando’ para o distrito do Porto, de € 1.7 milhões passou-se para € 5.3 milhões;

• Focando no setor do catering, restauração e similares, de pouco mais de € 145 mil em abril de 2021 chegou-se a aproximadamente € 904 mil, dos quais € 800 mil no Porto;

• Em matéria de alojamento turístico, os números mostram uma subida de € 580 mil para € 2.4 milhões entre abril e maio deste ano, para os quais o Porto contribuiu com € 1.4 milhões.

Contas feitas, sabendo bem as limitações que têm (por exemplo, estou a analisar um mês completo, quando o grande afluxo de turistas estrangeiros se terá centrado entre 27 e 31 de maio) chego à conclusão de que o valor total de transações pagas por cartões do Reino Unido na região Norte, nos setores da restauração e do alojamento, representou € 3.3 milhões, a que devemos adicionar € 9 milhões na região do Algarve, por onde sabemos que os turistas britânicos também andaram.

Terá valido a pena correr o risco de voltar a confinar e de fechar os estabelecimentos comerciais à conta da evolução de novos casos de infeção? A acrescer, as autoridades britânicas deram-nos logo a seguir a ‘machadada final’!

 

P.S. – Ah, sabiam que estão isentos de IRC e IRS os rendimentos auferidos pelas entidades organizadoras do evento, pelos seus representantes e funcionários, bem como pelos clubes de futebol, respetivos desportistas e equipas técnicas que não tenham residência fiscal em Portugal?