A vacinação não corre (agora) de forma desastrosa e tudo o resto parece ser tolerado ou até desvalorizado. Depois teremos a ‘bazuca’ para nos iludirmos. E agora até há o futebol para distrair.
Portugal sempre foi conhecido pelo país de ‘brandos costumes’. Para sermos tolerantes com o epíteto, assim estamos agora com a pandemia que tudo tolera, tudo relativiza na saúde, na política e na vida.
Como sempre, os problemas continuam e alguns agravam-se, mas a exigência diminui e parece haver uma tolerância a situações que, bem vistas as coisas, deveriam ser inadmissíveis.
Entretanto há eleições autárquicas e há os disparates recorrentes de membros do Governo, mas o escrutínio é quase inexistente. A expressão é forte, mas a democracia, se não está suspensa, está, pelo menos, mitigada. Pode não ser justo afirmar que a pandemia está a dar jeito a muita gente, mas é inequívoco que condiciona a crítica e, sobretudo, as alternativas.
No princípio, foi o receio do desconhecido e a necessidade de unidade em torno das condições suficientes para que o Governo tomasse todas as medidas, mesmo na incerteza do seu sucesso, mas que ninguém, responsavelmente, poderia colocar, à partida, em causa. E, assim, o Governo beneficiou de apoio político e de solidariedade institucional. Muitas coisas correram mal, mas não foi por falta de condições e, sejamos justos, era difícil não falhar em algumas, fruto da inexperiência.
Depois, foram sendo cometidos erros escusados, ora por falta de planeamento, ora por desatenção perante exemplos de outros países ou até por demora na ação. Mas ainda assim toda a tolerância foi sendo concedida, política e socialmente. Na verdade, ultimamente, apenas o sucesso do processo de vacinação conseguiu gerar algum otimismo e confiança na sociedade.
Entretanto, porque a vida continua (e a ação governativa e autárquica também), muitos disparates foram cometidos e coisas anteriormente inadmissíveis foram acontecendo, mas o ambiente de condescendência serviu para permitir as asneiras sem a devida responsabilização. A democracia que deve ser exigente, neste tempo de exceção tornou-se totalmente desresponsabilizante.
É neste ambiente focado na evolução da pandemia que decorrem as eleições autárquicas, em que se permite a irresponsabilidade, a escassez de escrutínio sobre o desempenho dos autarcas, a falta de atenção para as alternativas e a utilização abusiva dos sucessos e insucessos do combate à covid-19 aplicados às autarquias.
O que está em causa é o exercício da democracia. A pandemia tem prejudicado a vida de todos, mas provocou uma diminuição da exigência e do escrutínio democrático.
As próximas eleições autárquicas serão ingratas para quem quer ir além da discussão sobre a pandemia, beneficia os aproveitamentos políticos locais das ações nacionais e torna particularmente difícil a afirmação de alternativas.
O principal desafio das próximas eleições autárquicas é recuperar a qualidade da democracia, alcançando a atenção além da pandemia, estimulando o escrutínio e recuperando a exigência. Não será tarefa fácil.