O Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) defende uma estratégia de saúde pública a dois anos para o país, rever o modelo de aconselhamento científico envolvendo o Conselho Nacional de Saúde Pública e um plano para o próximo inverno. O último, consideram, “não existiu”. São alguns dos apelos e críticas deixados numa análise assinada pelos cinco primeiros coordenadores do OPSS e que assinala os 20 anos de Relatórios da Primavera, uma publicação que começou em 2001 com análise e investigação sobre acesso à saúde no país. Ao longo destes anos, nomeadamente no período da troika, algumas das conclusões e visões do observatório deram celeuma com os Governos em funções. Essa é, aliás, uma das conclusões da análise assinada pelos cinco primeiros coordenadores do OPSS – Constantino Sakellarides, Pedro Lopes Ferreira, Ana Escoval, José Aranda da Silva e Manuel Lopes (com uma entrevista para ler nesta edição) – e que será apresentada hoje. “No plano institucional, a governação da saúde não colocou o OPSS num patamar de parceria útil à ação governativa.”
Problemas crónicos, “sinais débeis” de aprendizagem O tema central do relatório de 2021 são os “processos de aprendizagem”, com foco na pandemia. Ao longo dos últimos meses, consideram que a covid-19 destapou limitações crónicas do país, e que agora “há o risco (real) de tornar a tapá-las”. “Os sinais de aprendizagem são débeis”, diz ao i Constantino Sakellarides.
Reconhecendo que a gestão da pandemia foi “problemática” na maioria dos países, as principais críticas são ao planeamento e ao modelo de “aconselhamento científico” adotado, mas também à falta de investimento na saúde pública, que consideram que ainda não é visível e que “não é compreensível” que não esteja prevista no PRR.
Em matéria de aconselhamento, uma das referências no documento é o não envolvimento do Conselho Nacional de Saúde Pública. Recordam que uma das heranças da pandemia de gripe A foi a lei n.º81/2009, que criou este órgão consultivo do Governo, presidido por Henrique Barros e a que pertence também Sakellarides, entre dezenas de membros. Órgão que foi nomeado no início do ano passado, teve uma primeira reunião a 4 de fevereiro e outra a 11 de março de 2020, para apreciar o pedido do Governo sobre a necessidade eventual encerramento das escolas, o que não recomendaram – o que o observatório justifica com não haver à data indícios de transmissão comunitária do país e de só ter havido novas orientações sobre um “paradigma novo” de combate à covid-19 dias depois,.
Após uma reunião a 13 de março, “o Governo só convocou o CNSP em 18 de outubro. Seguiram-se mais duas reuniões, a 30 de outubro e a 18 de novembro de 2020, a última até à data. Em nenhuma destas reuniões foi apresentado qualquer relatório ou comunicação da parte do Governo”, concluem, considerando que sendo por lei um órgão consultivo do Governo, “seria de esperar (logo em março) uma análise objetiva das precárias condições de funcionamento do CNSP, procedendo a uma rápida correção das anomalias”.
Sobre as reuniões do Infarmed, o modelo adotado, destacam aspetos meritórios mas consideram que criaram a ilusão de um aconselhamento científico “real”. Do lado positivo, defendem que foram “um estímulo importante para os investigadores portugueses apresentarem, diretamente aos decisores políticos, os resultados dos seus trabalhos.” Como “questão muito problemática”, escrevem, “o Governo criou a ilusão de que audição individual de peritos , sem o benefício de uma síntese científica qualificada […] constituía uma forma real e idónea de aconselhamento científico para as decisões políticas. O Governo preferiu fazer a sua própria síntese, uma síntese política, de contributos técnico-científicos individuais ouvidos. Esta não é uma originalidade positiva.”
Ainda na senda das decisões, fica patente a crítica a “planos de muito curta duração” de desconfinamento, pedidos a um “grupo ad-hoc”.
Já sobre a situação atual em Lisboa, questionam qual foi o fundamento técnico da decisão de limitar a circulação na área metropolitana. Propõem um modelo apoio à decisão na pandemia em que o aconselhamento seja feito pelo CNSP e “outras consultas”, com planeamento e cenarização e uma estratégia de saúde pública, mantendo-se formas de comunicação como audições no Infarmed, comunicação regular e periódica. O documento tem ainda uma nota sobre a informação a que a população tem a acesso, questionando não serem fornecidos dados por freguesia. Admitindo o risco de estigmatização, defendem que a “solução não pode ser a omissão da informação de risco a que as pessoas têm direito para melhor saberem como proteger-se”.