Ainda há uma semana a Austrália era um oásis na pandemia, uma ilha-nação de fronteiras seladas, onde gente se aglomerava sem receio em festas, espetáculos e bares, em que distanciamento social, confinamento ou máscaras pareciam memórias de outros tempos. No entanto, a situação escalou mal a covid-19 reentrou no país, com os australianos – menos de 5% dos quais estão vacinados – de novo sob restrições, surgindo mais de 128 casos de um momento para o outro. É que a variante que circula na Austrália é a delta, detetada na Índia, conhecida por ser particularmente infecciosa.
O surto tem como epicentro a cidade de Sydney, no estado de Nova Gales do Sul, onde mais de cinco milhões de pessoas ficarão em confinamento pelo menos durante duas semanas, impedidos de sair de casa, exceto por motivos médicos, tarefas essenciais ou para fazer exercício. Também entraram em confinamento Darwin – onde um trabalhador de uma mina de ouro deu positivo, estando as autoridades a tentar localizar uns 900 outros mineiros – e Perth, com quase 58 mil testes efetuados na Austrália só no domingo.
Já no resto do país, onde as medidas contra a covid-19 são tomadas sobretudo por iniciativa dos estados, todos estão sob algum tipo de restrições, exceto na ilha da Tasmânia. Voltou a usar-se máscara em espaços públicos fechados Camberra e Adelaide, e o medo, após meses a ver o resto do mundo sofrer com a pandemia, é enorme. No Território da Capital Australiana, onde fica Camberra, até será limitada a compra de artigos domésticos, como papel higiénico, para evitar uma escassez.
Olhos sobre a Austrália
Se ao longo da pandemia se ouviram histórias de gente infetada com covid-19 que nem sequer a transmitiu aqueles com quem viviam, enquanto outros infetados são extremamente contagiosos, deixando os cientistas perplexos com o fenómeno dos “supercontágios”, no que toca à variante delta, em Sydney, viu-se “quase 100% de transmissão dentro do lar”, notou Gladys Berejiklian, chefe de executivo de Nova Gales do Sul, citada pela Reuters.
Com a variante delta rumo a tornar-se dominante a nível global – já é em países como o Reino Unido ou Portugal – ninguém duvida de que esta terá vantagem evolutiva em relação às restantes variantes.
Contudo, os cientistas ainda tentam perceber exatamente quão mais infecciosa será a estirpe. E têm os olhos virados para a Austrália, onde ainda é possível um rastreio de contactos impensável noutros países, que têm tantos casos que muitos não fazem ideia como e quando foram infetados – um contágio da variante delta até foi ligado a um encontro “assustadoramente rápido” entre duas pessoas, de passagem num supermercado, visto através das câmara de segurança, contou Kerry Chant, responsável pela Saúde em Nova Gales do Sul, citado pela ABC.
Entretanto, parte do medo dos australianos transforma-se em raiva contra o primeiro-ministro conservador Scott Morrisson. Não é por acaso que a Austrália tem uma das mais baixas taxas de vacinação entre países desenvolvidos – com o alastrar da covid-19 controlado na Austrália, e apenas 980 mortos numa população de 25 milhões, o Executivo conservador demorou em apostar na vacina. O custo dessa demora mostrou-se bem elevado, quando a variante delta furou a principal defesa da Austrália, a quarentena de viajantes.
“Não podemos sair do país, as pessoas não podem entrar, e acabamos periodicamente em confinamento, que custa uma fortuna”, queixou-se um comerciante de Sydneym James Powditch, à CNN. “Quando começarmos a ver o resto do mundo reabrir, vamos virar a nossa raiva conta a maneira com a vacinação correu aqui”.