Há dias, no Expresso, surgiu um artigo intitulado Retrato de um Gajo Duro, no qual procuravam caracterizar o almirante Gouveia e Melo. Como se tratava de um camarada da Armada, fui ler. Como sou de uma geração mais antiga (velha, para os paisanos) e, desde há muito, afastado da vida da Armada, não conhecia detalhes da carreira militar do almirante/camarada.
Gostei, gostei de conhecer a história do submarino em risco e da atitude do seu comandante. Porém, ao contrário dos eufóricos paisanos que escreveram o artigo, não senti que o almirante fosse, desde logo, merecedor de um tamanho ‘culto da personalidade’.
Ele evidenciou, na circunstância referida e no seu desempenho enquanto ‘coordenador’ da campanha de vacinação, uma característica muito simples: a de ser um bom oficial da Armada. Pois, nós na Armada, tanto por vocação como por preparação, somos ‘feitos’ para dar tudo, incluindo a vida, pela Pátria. E a Pátria como um útero social, de vida e de cuidados mútuos, onde todos cabemos e todos nos interessamos pelos compatriotas, e não aquela ‘Pátria’ só para alguns à custa dos ‘outros’.
Os militares adotam missões a que se entregam por inteiro, estudando a ciência e as técnicas aplicáveis, galvanizando as vontades para um trabalho sincronizado e eficiente, no limite dos conhecimentos e do esforço pessoal, em equipa (um navio é uma equipa).
É isso que o Almirante está a fazer, para enorme admiração de todos aqueles que, infelizmente, se habituaram a viver, nas últimas décadas, abaixo do limite da mediocridade, nos governos, no Estado, nas instituições e empresas públicas (e também, no lastimável meio privado).
No início dos anos 80 (dos 1900), frequentei, na Armada, um curso de Gestão de Recursos de Defesa (Defense Resources Management Course) ministrado por oficiais norte-americanos. Foi um banho de novidades para todos nós que já nos considerávamos ‘muito cultos’.
No fundo, disseram-nos: Para além deste mundo corrente onde nos movemos com mais ou menos ‘bom senso’, há um outro mundo, relativo à gestão ‘racional e ótima’ dos recursos disponíveis, o mundo da ‘gestão científica’. E assim fizemos muitos de nós que, para além do nosso patriotismo e formação militar (que inclui a Liderança), acrescentámos a Ciência e a Arte da Gestão. Obtivemos assim critérios para avaliar o desempenho das nossas ‘direções nacionais’.
E o panorama que hoje se nos apresenta é lastimoso. Para quem viveu só os ‘tempos modernos’, habituado à mediocridade gestionária generalizada e ao ‘servilismo internacional’ dos ‘Gajos Moles’, o aparecimento de uma pessoa como o Almirante Gouveia e Melo parece uma revelação dos céus. Só falta porem-se todos a marchar atrás dele como do ‘salvador’.
Há uns largos anos, quando nos Hospitais a comida era uma ‘porcaria’, as limpezas o mesmo e ninguém sabia das chaves para abrir um compartimento, sugeri, ‘contra a corrente’, meio a sério e meio como graçola, a nomeação de sargentos da Armada para diretores dos hospitais. Hoje talvez fosse necessário ‘elevar a fasquia’ e nomear ‘capitães’ para que se pudesse dar um salto qualitativo…
Ao inverso desta ‘história de sucesso’, a do ‘gajo duro’, quero contar outra, surgida no mesmo jornal, a da ‘gaja mole’ que, após uma brilhante carreira política no ‘sistema’, foi para a UE (dado o seu alto gabarito) e que, agora lá bem sentada, ‘inocentemente’, proclama: «É penoso ver que Portugal, com tantos anos de apoio, ainda está entre os países atrasados».
Repete assim, com 20 anos de atraso, a daquele ex-Presidente da República que, em vésperas de largar o cargo onde esteve durante oito anos, perguntou admirado, como se não fosse nada com ele: «Então para onde é que foram os Fundos?». Estamos conversados!