Por Nélson Mateus e Alice Vieira
Querida avó,
Fez recentemente 9 anos que partiu o Prof. José Hermano Saraiva. Os mais novos não fazem ideia de quem foi esta personalidade que marcou várias gerações. Já os mais velhos, recordam certamente este homem, que para muitos será eternamente recordado como Professor Hermano Saraiva.
Lembro-me perfeitamente de o ver na televisão em programas como: História Essencial de Portugal; A Alma e Gente; Lisboa Sobre Carris; Horizontes da Memória; Lendas e Narrativas; Histórias que o Tempo Apagou e tantos outros.
O Professor era único! Um excelente comunicador, com uma narrativa apaixonante, que nos envolvia nas suas histórias. Aquilo que contado por outros podia ser enfadonho, dito pelo Professor era cativante. José Hermano Saraiva tinha o dom de nos envolver de tal maneira nas suas histórias, que através das suas palavras levava-nos a fazer verdadeiras viagens no tempo. Não foi por acaso que esteve cerca de 40 anos em programas na televisão.
Mas o menino que nasceu em Leiria, onde viveu até aos 12 anos, foi muito mais do que historiador. Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas e em Direito. Mais tarde conciliou a carreira de Professor com a de Advogado. Foi Ministro da Cultura no final do Estado Novo até 1970. Só depois começou a fazer programas na televisão. Claro que foi uma pessoa controversa e polémica, sendo a sua visão da História de Portugal muitas vezes questionada pelo meio académico.
Quando morreu, aos 92 anos, José Hermano Saraiva deixou uma casa recheada com centenas de objetos que foi reunindo com carinho e dedicação ao longo de vários anos. Mas tu que sempre recebeste personalidades na tua casa, e sendo casada com o crítico de TV Mário Castrim, deves ter convivido com o Professor e ter muitas histórias para contar.
A falta que nos faz ter alguém na televisão a explicar a História de Portugal como ele tão bem fazia.
Beijos e boa semana.
Querido neto,
Tens razão, tanto eu como o Mário convivemos muito com o Prof. José Hermano Saraiva. Mais uma daquelas amizades improváveis do meu marido: não se podia dizer que o professor fosse um homem de esquerda (bem pelo contrário) — mas escreviam-se, telefonavam-se, e lembro-me que num programa o Prof. Hermano Saraiva até se referiu a nós, a propósito do lugar onde estava, para os lados do Sabugueiro, na Serra da Estrela, onde nós então passávamos sempre o Verão, e ele sabia.
Embora as posições políticas fossem opostas, ele dava-se muito bem com o irmão, o Prof. António José Saraiva. E um dia ligou-me para me contar que o irmão lhe tinha proposto fazerem um programa os dois. Ele recusou: «ó Alice, ainda iam dizer que éramos as segundas Irmãs Meireles!». (É claro que nem tu nem a malta mais nova sabe quem eram as Irmãs Meireles, mas era um duo que teve grande popularidade no princípio dos anos 60).
E estava sempre a dizer-me uma coisa muito certa a propósito da ida dos escritores às escolas sem nos pagarem: «vocês não são missionários! Era o que faltava!». E é ao Prof. Hermano Saraiva que se deve a melhor definição da Ericeira: «a Ericeira não tem banhistas, só tem devotos». O que é inteiramente verdade, ainda hoje, quando chovia, lá estávamos nós na esplanada da praia .Claro que foi uma figura polémica. As pessoas diziam que metade do que ele dizia era inventado. Era — e não era.
De vez em quando, no meio da conversa, ele parava e dizia mais ou menos isto: «às vezes, quando falo nisto, até penso se tudo não terá acontecido de outra maneira, se em vez de ter sido assim…» — e pronto, a partir daí era a imaginação dele a funcionar. Mas sem nunca afirmar que era verdade.
Mas eu digo sempre que ele não estava ali para ensinar história, ele estava ali para entusiasmar as pessoas com aquilo que dizia — o que as levava depois a quererem saber mais.
E aí tens o que eu tinha para te dizer do Prof. Hermano Saraiva.
Bjs