MUNIQUE – Está triste e melancólico o céu de Munique no momento em que começaram a disputar-se os quartos-de-final do Campeonato da Europa do nosso descontentamento. Triste e melancólica como a passagem da Seleção nacional passou por um torneio que deveria ser, para nós todos, algo de especial, já que nos cabia defender com honra e pundonor o título de campeão europeu. Infelizmente, mais uma vez amarrada a um incompreensível complexo de Pequeno Polegar, Portugal partiu cedo sem deixar saudades. Diziam as personagens de F. Scott Fitzgerald: «Vive depressa; morre cedo; sê um cadáver bonito!». Nem um cadáver bonito a equipa portuguesa conseguiu ser. Os derradeiros 15 minutos do jogo com a Bélgica podem ter sido jogados com o coração a bater tão forte que quase saltava da boca dos nossos jogadores, haverão queixas elevadas contra os deuses do futebol que fizeram a bola chutada por Guerreiro bater no poste, mas um Europeu não se resume a 15 minutos. Nem mesmo a 15 minutos aqui e ali. Convenhamos: o futebol de Portugal foi sempre sombrio. Um estranho medo de ser feliz quando durante tantos dos últimos anos, a Seleção nacional, mesmo perdendo, era um exemplo de alegria de de gosto profundo pelo jogo bonito e ofensivo.
Somos, como toda a gente sabe, o país do fado. Mas não é preciso fazer da vida um fado, não é preciso olhar para a barra do Tejo com olhos de uma íntima angústia, não é preciso reduzirmo-nos ao manjerico no parapeito quando temos a certeza de que podemos partir à conquista daquilo que fez Torga gritar um dia: «Ah! Portugal. Quando te medes com o impossível!». Fomos. Conquistámos e voltámos. A maior parte de nós contínua a ver o mar como uma metáfora da saudade e não como um ponto de partida. O futebol tem essa vertente fascinante de ser, na maior parte dos casos, um espelho do povo que o pratica. Por isso os alemães são arrogantes e destruidores, os brasileiros malandros e cheios de truques, os ingleses bravos e teimosos. Parece que nos cabe o destino de sermos tristes. É preciso dizer com clareza: foi com tristeza que ganhámos o Europeu há cinco anos, em França. A nossa festa foi mais de alívio do que de alegria pura. Celebrámos a satisfação de termos sido capazes de bater os melhores na sua própria casa. Ganhámos defendendo-nos. E sabíamos que era impossível continuar assim eternamente. Porque não é dessa massa que se fazem os campeões.
De bisonho a mazombo
Se no Mundial da Rússia, Portugal foi bisonho, sacando uma única vitória, frente a Marrocos, e saindo logo após a fase de grupos batido por um Uruguai que nunca teve medo de nós, agora Portugal foi mazombo, disperso num caos de escolhas a que Fernando Santos não nos habituara, a despeito de sabermos que, mesmo que ele não goste de o ler ou de o ouvir, é um treinador mais preocupado com os entendimentos defensivos do que os ofensivos. Desta vez foi mais longe do que apenas montar uma equipa de tração atrás: não chegou verdadeiramente a montar uma equipa coerente. Algo, a cada esquina, o fez mudar de ideias: defendeu com unhas e dentes a necessidade de ter William Carvalho, deu-lhe por duas vezes a titularidade e dispensou-o; insistiu em meter Bernardo Silva e Jota das alas para dentro sem que, para reforçar a intensão atacante, os laterais tenham utilizado os terrenos abandonados por ambos para tentarem avanços até à linha de fundo; desperdiçou por completo João Félix (apesar da lesão) e Gonçalo Guedes como os elementos com melhores condições para jogarem nas costas do ponta-de-lança, Ronaldo, que por seu lado teima em não se manter como ponta-de-lança, afinal o lugar que mais lhe convém e convém à equipa nesta fase da sua carreira. Depois deu-se a súbita aparição de Renato Sanches. É possível que o engenheiro tivesse algumas dúvidas em relação à sua maturidade, mas eram dúvidas que se confirmariam ou cairiam nos treinos. Percebemos logo na sua primeira entrada em jogo que tinha de ser titular obrigatório pois tem atributos físico e técnicos que nenhum outro tem. Mas a verdade é que também ficámos com a sensação de que foi um recurso e não uma opção convicta vinda de trás. Tal e qual como aconteceu em França, em 2016.
Dizem os grandes otimistas que temos a melhor Seleção nacional de todos os tempos. Dizem-no com empáfia mas sem qualquer sustentação. A maior parte dos jovens jogadores portugueses ainda tem muito que provar – basta estar atento à forma como Bernardo Silva entrou na lista dos dispensáveis do Manchester City. Há falta de jogadores específicos para certas posições, como a de primeiro médio defensivo, ou de trinco, se quiserem, posição essa que exige uma grande capacidade física, um pode de choque tremendo, uma resistência a toda a prova e ainda qualidade de pés que permitam que a equipa passe de uma situação defensiva para uma ofensiva o mais rapidamente possível. Não é preciso citar nomes. Somem as características que acabei de elencar e pensem qual dos selecionados as têm, todas em conjunto. Depois, meditem na importância que um jogador assim tem numa equipa. Não o ter, condiciona tanto o ataque como a defesa.
Cada um entrou neste Europeu como pôde e saiu como quis. Houve equipas que quiseram sair de bem com a sua consciência, apesar de derrotadas, como foi o caso da Croácia. Portugal saiu com a naturalidade de quem não quis arriscar tudo o que podia no jogo em que se pedia que o fizesse, o último, frente à Bélgica. Depois de ter sofrido seis golos em dois jogos, Fernando Santos não se sujeitou a sofrer mais dois ou três, mesmo estando à vista que seria possível igualmente marcá-los.
Foi Pompeu, general romano, que lançou a frase aos seus soldados: «Navigare necesse, vivere non est necesse». Caetano Veloso cantou-a, n’Os Argonautas: «Navegar é preciso/Viver não é preciso/O barco, noite no céu tão bonito/Sorriso solto perdido». É disso que Portugal precisa urgentemente: deixar de jogar crispado por medos absurdos e abrir um sorriso que façaa a selecção nacional ser bonita outra vez. Munique esperou porPortugal, mas Portugal não veio.