Fartos de dominar a Terra, os bilionários lançaram-se na corrida pelo espaço. O clímax será este mês, tendo o britânico Sir Richard Branson viagem marcada para lá da atmosfera da Terra, este domingo, a bordo de um jato supersónico da Virgin Galactic, batendo por nove dias o fundador da Amazon, Jeff Bezos, que planeia ir ele mesmo na primeira viagem tripulada da sua empresa de exploração espacial, a Blue Origin, a bordo do New Shepard, um foguete reutilizável, construído com o propósito de tornar futuras viagens mais baratas. Já o seu rival, Elon Musk, fundador da Space X, fica de fora desta partida, tendo adiado o primeiro voo espacial de teste do seu foguete Starship, marcado para julho, mas mantendo os olhos firmemente postos em Marte. Enquanto a Boeing quer deixar de ser apenas um peso pesado na aviação terreste, testando este mês a sua cápsula Starliner, que pretende ser uma espécie de taxi para a porção americana da Estação Espacial Internacional, levando turistas, cientistas e carga, após a NASA ter sido obrigada a optar por parcerias público-privadas pela Administração Trump, seguindo uma tendência que vinha dos tempos de Obama.
Os próximos dias serão um salto enorme para a humanidade – pelo menos para os mais ricos – dizem uns, talvez o início do turismo espacial, quem sabe até da distante colonização de outros corpos celestes, de uma esperança para a nossa espécie após devastarmos o nosso planeta. Outros veem-no como o princípio de uma distopia, digna de ficção científica, da expansão do modelo económico, desigualdades e contradições da Terra – tanto Bezos como Musk construíram as suas fortunas entre acusações recorrentes de manter trabalhadores em condições horríveis nos seus armazéns e fábricas, enquanto pagavam poucos ou nenhuns impostos – para o espaço.
Ou então, tudo isto não passa de um show de egos bilionários, “grandes notícias, isto é, para qualquer pessoa de luto pela perda do programa de televisão ‘Lifestyles of the Rich and Famous’, que se esgotou há mais de 15 anos”, comentou Michael Hiltzik, vencedor de um Pulitzer e autor de livros como Iron Empires: Robber Barons, Railroads, and the Making of Modern America.
“Para qualquer outra pessoa ancorada aqui no planeta Terra, a competição para ser o primeiro bilionário no espaço deveria ser um marco na enormidade da vaidade dos ricos”, notou Hiltzik, num artigo de opinião muito crítico no LA Times.
Salientando que a vasta maioria dos avanços significativos da ciência no espaço foram através de missões não tripuladas, que missões tripuladas são muito mais dispendiosas, pouco mais do que publicidade – seja ao poder americano, com o Programa Apollo, na década de 60 e 70, em plena Guerra Fria, ou à nascente indústria turística espacial. E que não há grande expectativa de que bilionários à procura de adrenalina (ver páginas 16-17), sem formação adequada, realizem qualquer trabalho científico.
É uma crítica mordaz. Mas, de facto, é difícil não lembrar que ainda o mês passado o diretor-executivo do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas, David Beasley, congratulou – sarcasticamente, ao que parece – Musk, Bezos e Branson pela sua corrida ao espaço, notando que adoraria ver os três “juntarem-se para salvar os 41 milhões de pessoas que estão prestes a morrer à fome este ano na Terra”, tweetou. “Bastariam seis mil milhões de dólares”.
Parece muito dinheiro, sim, mas são quase trocos para este triunvirato à conquista do espaço. Bezos tem uma fortuna avaliada pela Forbes em 201,8 mil milhões de dólares (mais de 170 mil milhões de euros), contando com os 86 mil milhões de dólares (quase 73 mil milhões de euros) que acumulou durante a pandemia, enquando a vasta maioria da humanidade empobrecia – estima-se que Bezos gaste pelo menos mil milhões de dólares anualmente em exploração espacial, através da Blue Origin, segundo a Reuters. Musk conta com uma fortuna de 169,8 mil milhões de dólares (mais de 143 mil milhões de euros), tendo obtido centenas de milhões de dólares de financiamento para a Space X, vindo de gigantes como a Alphabet, de que a Google é subsidiária, ou a Fidelity. Já Branson é quase o indigente do grupo, com uns meros 5,7 mil milhões de dólares (perto de cinco mil milhões de euros).
Talvez seja por isso que Branson sempre teve de apostar em ter projeção mediática, para atrair investidores, fundando a Virgin Galactic em 2004, vendendo viagens no avião sub-orbital SpaceShipTwo a gente rica, prometendo pôr turistas no espaço em 2009, e adiando continuamente essa meta. Algo visto mais como manobra publicitária do que como excesso de confiança – o anúncio da viagem de Branson, no domingo, também foi visto como uma maneira de tirar projeção à ida de Bezos ao espaço, a 20 de julho.
Se Branson será o primeiro bilionário no espaço ou não, é uma questão mais técnica. Os cientistas consideram como fronteira oficial do espaço a Linha de Kármán, 100 km acima do nível do mar, algo que os jatos da Virgin Galactic não conseguem alcançar – já o voo de Bezos, que durará uns 11 minutos, estará uns momentos acima dessa meta. Certamente será uma farpa no ego de Branson, tendo Bezos notado que, para a Blue Origin, cruzar a Linha de Kármán sempre foi um objetivo crucial. “Não queríamos que houvesse qualquer asterisco junto ao teu nome, sobre se eras um astronauta ou não”, salientou Bezos, em entrevista à SpaceNews, em 2019.