As eleições autárquicas foram marcadas pelo Governo para o dia mais cedo que era possível. Mais cedo pudesse, mais cedo marcaria. A campanha decorrerá num período de limitações à circulação, ao convívio e ao contacto pessoal. As condições são as contrárias à realização da democracia, especialmente em eleições autárquicas. A dificuldade na comunicação, seja pessoal, seja mediada pela comunicação social, é evidente. Parece que foi de propósito…
A proposta de adiamento das eleições, defendida pelo PSD, ainda que por apenas umas semanas, poderia fazer toda a diferença para que a campanha pudesse decorrer com alguma normalidade.
Para quem acredita em teorias da conspiração o cenário é perfeito. Se não, vejamos: a situação determinada pelo Governo é de restrições (mais do que discutíveis) à circulação e à concentração de pessoas em locais públicos. A atenção total é para a pandemia. Quando parece que a situação começava a estar controlada, os números, as análises e os perigos são sublinhados. A comunicação social vai sendo alimentada por análises da evolução pandémica e novas medidas são anunciadas com gravidade e com polémica que até pode parecer deliberada. Parece haver a intenção de ser criado um ambiente condicionado e dominado pela pandemia. Não há outros assuntos.
Pelo caminho há a ação do Governo e das autarquias (com destaque para os autarcas no poder) que dominam o contacto com os cidadãos (por exemplo nos centros de vacinação, nos testes gratuitos ou nos apoios financeiros às pessoas, ao setor da cultura, à restauração e às empresas) e a atenção mediática é dominada por estas iniciativas. Há notícias, diretos, análises, sempre sobre a pandemia.
Sejamos claros: é o mesmo partido que está no Governo que domina a maioria das autarquias. Para quem não acredita em teorias da conspiração, é, certamente, uma coincidência.
Com este ambiente de receio, com o Governo a provocar notícias e polémicas, com a atenção exacerbada na evolução dos indicadores e com a comunicação social monopolizada pelo noticiário da pandemia é impossível fazer uma campanha eleitoral em condições apropriadas.
O que parece evidente é que as condições do exercício da democracia em eleições com as características das autárquicas, envolvendo milhares de candidatos por todo o país, com necessidade de contacto pessoal, de atenção mediática e de disponibilidade das pessoas para observarem as propostas e as alternativas, estão comprometidas.
A democracia, nestas eleições autárquicas, será mitigada. Neste momento, face às restrições impostas pelo Governo (de eficácia discutível), mais de metade da população do país está condicionada. Os candidatos autárquicos terão poucas hipóteses de se fazerem ouvir. A atenção às propostas é escassa. Entretanto chegam as férias e, para além do cansaço da pandemia, as pessoas não estarão atentas à política. O regresso de férias será em cima das eleições.
Parece cada vez mais evidente a vantagem para a democracia no adiamento, ainda que por algumas semanas, das eleições autárquicas. Pelo menos para quem quer promover a democracia com espaço para o debate e apresentação de alternativas com condições adequadas de se realizarem. Infelizmente, o Governo e a maioria que o suporta no Parlamento parecem não se importar em sacrificar o exercício da democracia.