Mesmo com os seus negócios na Terra em risco de afundar, sob o peso da pandemia de covid-19, Sir Richard Branson, de 70 anos, manteve os seus olhos firmemente postos no espaço. O domingo passado, quando subiu para um um jato espacial da sua empresa, a Virgin Galactic e alcançou a fronteira do espaço – se o bilionário britânico a cruzou ou não é um debate entre cientistas – não o fazia apenas como mais uma loucura de um homem viciado em adrenalina, mas como alguém mais conhecido como showman do que como empresário, cujos investimentos sempre dependeram muito da confiança e do dinheiro de outrem.
Entre os seus rivais bilionários na corrida ao espaço, Branson é quase um pobre, com uns meros 5,7 mil milhões de dólares (perto de cinco mil milhões de euros), segundo a Forbes, enfrentando o primeiro homem mais rico do planeta, Jeff Bezos, e o terceiro, Elon Musk. Mas se há coisa que o britânico percebe é como dar espetáculo – quando soube que Bezos planeava chegar ao espaço a 20 de julho, Branson pôs-se logo à frente da fila, adiantando o seu próprio lançamento.
E funcionou, o mundo todo ficou a vê-lo regressar do espaço triunfal, aterrando no Spaceport America, a fazer a festa no deserto do Novo México, a derramar champanhe sobre os seus companheiros de viagem como quem acabou de ganhar uma prova de Fórmula 1, enquanto os seus convidados famosos exultavam e o cantor Khalid subia ao palco para estrear o seu novo single, New Normal, com milhões a ouvir online.
Outros ficavam a pensar no que raio isto tudo tinha a ver com a descoberta científica que vem com a exploração espacial. Ou estranhando que a corrida ao espaço já não seja apenas entre potências mundiais, mas sim entre homens como Branson, Bezos e Musk, muito, muito, muito ricos, poderosos, com bastante tempo livre e egos enormes.
Da cave para o espaço
Já lá vai muito tempo desde que Richard Branson dormia na cave de um amigo em Londres, entre o verão de 1967 e 1968, montando uma revista para jovens, a Student, que se tornaria a base do seu império musical. Branson, um jovem disléxico que nunca teve jeito para a escola, abandonando-a aos 16 anos, usou a revista para publicitar o seu negócio de venda de álbuns por correio, criando depois uma label, a Virgin Records, que cavalgaria os anos de ouro da indústria musical, e teria na mão bandas tão conhecidas quanto os Genesis, Sex Pistols e os Rolling Stones. Daí partiu para comprar linhas aéreas, empresas de finança, operadoras móveis e de linhas férreas.
No entanto, uns anos depois, Branson já estava aborrecido de viver um conto de fadas empreendedor, queria mais que isso. «O meu interesse na vida vem de me impor a mim mesmo enormes, aparentemente inalcançáveis desafios e tentar ultrapassá-los», afirmava repetidamente Branson, como recordou o Independent. A partir daí, o seu foco foi a aventura, entre uma série de investimentos bizarros – muitos deles falhados – que refletiam os seus hobbies.
Fosse uma empresa de alugueres de iates e submarinos, com o sonho de chegar a até 11 km de profundidade, ou uma operadora de balões de ar quente – Branson entrou na história em 1987, ao fazer a primeira travessia do Atlântico num balão – e até uma tentativa de bater a Coca-Cola no mercado dos refrigerantes, com o lançamento da Virgin Cola, que nunca pegou.
Que eventualmente um homem tão excêntrico e viciado em adrenalina tentasse chegar ao espaço parecia uma questão de tempo. Em 2004, surgia a Virgin Galactic, que prometia tornar o turismo espacial uma realidade já em 2009. Durante décadas, essa data limite foi adiada.
Algo visto mais como manobra publicitária do que como excesso de confiança – na altura a Virgin Galactic já tinha começado a aceitar reservas para bilhetes, com custos à volta dos 250 mil dólares (mais de 210 mil euros), com mais de 600 pessoas em lista de espera, incluindo celebridades como Leonardo DiCaprio, Tom Hanks, Brad Pitt, Angelina Jolie, Russell Brand, Ashton Kutcher, Lady Gaga, Katy Perry ou Justin Bieber.
Que, com o recente sucesso de Branson, certamente estarão a esfregar as mãos de antecipação – a Virgin Galactic tem mais dois voos de teste marcados, mas planeia começar os seus voos comerciais em 2022. E, para Branson, esse sucesso significou um alívio financeiro enorme.
Por um lado, Branson já enfrentava gente com recursos praticamente ilimitados na corrida ao espaço – Bezos tem uma fortuna avaliada pela Forbes em 201,8 mil milhões de dólares (mais de 170 mil milhões de euros), contando com os 86 mil milhões de dólares (quase 73 mil milhões de euros) que acumulou durante a pandemia, enquanto a vasta maioria da humanidade empobrecia, mas dependia cada vez mais de serviços de vendas online e entregas como a Amazon.
Já Musk conta com uma fortuna de 169,8 mil milhões de dólares (mais de 143 mil milhões de euros), tendo obtido centenas de milhões de dólares de financiamento para a sua empresa espacial, a Space X, vindo de gigantes como a Alphabet, de que a Google é subsidiária, ou a Fidelity. Por outro, os negócios de Branson iam de mal a pior, e precisavam de uma injeção de confiança, escrevia o ano passado o Financial Times.
Aliás, uma das suas grandes empresas, a Virgin Airlines, devastada pela pandemia e pela quebra no turismo, anunciara mais de três mil despedimentos, pedindo mais de 500 milhões de libras (quase 600 milhões de euros) de dinheiro público em apoios ao Governo britânico. Outros grandes investimentos de Branson, como cadeias de hotéis e linhas de cruzeiros nos Estados Unidos, foram ao fundo, enquanto os seus ginásios Virgin Active ficavam fechados.
«O problema é que de momento não há dinheiro a entrar e há muito a sair», queixara-se o bilionário, que disse estar em risco até de hipotecar a sua casa nas ilhas Virgens Britânicas, quando as suas empresas apelavam ao Governo por dinheiro – na verdade não o fez, notou o Financial Times, que sugeriu que Branson poderia ter de optar por vender a sua Virgin Galactic, onde tinha apostado mais de mil milhões de dólares (quase 850 milhões de euros). Mas Branson não o fez – agora, a Virgin Gaslactic parece rumo ao sucesso.
Brinde espacial (ainda) sem futuro
Quando Branson desfrutou de quatro minutos de ausência de gravidade, bem como da vista da curva da Terra, num voo a 85,9 quilómetros de altitude, não estava só a passar um bom bocado. Ao conseguir aterrar em segurança no Spaceport America, no Novo México, às 16h e 40 (hora de Portugal continental) de domingo, dera um enorme passo para o turismo espacial. Se isso é uma coisa boa ou não, é uma questão de opinião.
O certo é que em breve passageiros com bolsos fundos – e sem a bagagem de anos de experiência e treino – poderão fazer o papel de astronauta. Quanto ao suposto potencial científico dessas viagens, é esperado que os turistas façam pouco – o próprio Branson fez questão de envolver algum tipo de experiência com gravidade zero na viagem, mas a verdade é que o seu foco estava em «avaliar a experiência do astronauta privado», segundo a Virgin Galactic, citada pela Atlantic.
Para alguns, trata-se mesmo de uma questão de vaidade, de bilionários – que pagam poucos ou nenhuns impostos na Terra, além de serem acusados de manter trabalhadores em condições laborais atrozes – que sonham deixar o mundo arder e partir para longe do comum dos mortais. Mas nem assim escapariam à realidade, notou no Twitter a escritora Sim Kern, citada no Washington Post.
«Para cada meia duzia de pessoas que existem na Estação Espacial Internacional, é preciso uma equipa na Terra de milhares de pessoas, constantemente a resolver problemas para os manter vivos», notou Kern. «Cada minuto de cada dia é gerido ao detalhe para que possam sobreviver. Têm de seguir uma estrita conduta de exercícios para impedir os seus ossos de se tornar em papa», exemplificou. «Portanto não há nenhum futuro em que Branson e Bezos estejam a beber champanhe à beira da sua piscina espacial».