Depois de ter sido aprovada, no final de junho, uma resolução que “recomenda ao Governo a eliminação de práticas de violência obstétrica e a realização de um estudo sobre as mesmas” e pedido ao Governo que “diligencie pela eliminação de práticas de violência obstétrica, como a manobra de Kristeller e a episiotomia de rotina” e “realize um estudo nacional anónimo sobre práticas de violência obstétrica”, como o ponto do marido, a direção do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos entende que devem ser prestados alguns esclarecimentos.
Em primeiro lugar, abordando a manobra de Kristeller, refere que “tal como é descrita na atualidade, nomeadamente pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que a condena, constitui má prática obstétrica”, pedindo que a mesma não seja confundida “com outras manobras devidamente supervisionadas por médicos especialistas”. No entanto, em declarações ao i, Mariana (nome fictício), de 35 anos, não esconde que foi vítima deste procedimento.
“O meu filho entrou em sofrimento fetal. Chamaram toda a gente e as máquinas apitaram por todo o lado. Tive uma hemorragia e perdi os sentidos. Vi imensa gente a entrar na sala de partos e percebi que era grave”, conta a mulher que foi mãe em novembro de 2013. “Puseram-se em cima de mim porque o meu filho não nascia. Fizeram-me a manobra de Kristeller. Não sabia, só queria que o meu filho nascesse”, desabafa oito anos depois, revelando que a médica que realizou a prática anteriormente mencionada era do género feminino.
“Naquele momento, quis morrer. Quando desmaiei uma vez, a enfermeira disse ‘Lembre-se do seu filho, não desista’. Foram buscar uma ventosa. Fui toda cortada. O meu filho ficou preso e a médica disse ‘Não temos tempo para fazer-lhe uma cesariana’”, recorda a mulher natural de Gaia, mas residente na Maia, no Porto.
“Deve ter sido Deus porque o meu filho podia ter ficado muito mal. Vinha roxo, quase preto, não respirava. A imagem que eu tenho dele é como se fosse um coelho num talho. Não tinha qualquer tipo de movimento, não chorou, não fez nada”, lembra com mágoa. “Entrei em pânico, levaram-no logo e só ao fim de alguns minutos é que começou a chorar. E eu ouvi-o”.
Será que o ponto do marido não existe?
“A episiotomia de rotina constitui má prática obstétrica”, avança a Ordem dos Médicos, adiantando que “o ‘ponto do marido’ não existe na nomenclatura obstétrica” e rematando que “qualquer intervenção desnecessária é má prática médica, seja um ponto, uma incisão, uma sutura ou qualquer outra intervenção”.
No entanto, em janeiro deste ano, em entrevista ao i, Alice (nome fictício), de 32 anos, explicou que suspeita de que foi alvo desta prática. “Posso dizer que tive um parto natural, sem epidural, mas, apesar de não me terem informado, tenho quase a certeza de que levei o ‘tal’ ponto do marido”, disse a residente em Castro Verde, no concelho de Beja, e cujo parto decorreu a 28 de janeiro de 2020.
“Parecia que tudo dentro de mim estava a ser esquartejado. Marquei consulta com a minha ginecologista e ela disse-me que estava tudo bem, que as paredes vaginais tinham sarado, assim como os pontos”. Insatisfeita com a resposta, decidiu conversar com algumas amigas. “Disseram-me que era normal e que era como se voltasse a ser virgem. Apenas teria de fazer mais sexo para ‘me habituar’”. Porém, volvido mais de um ano, Alice continua incapaz de manter uma vida sexual ativa.
Apesar destes relatos, a direção do Colégio elucida que “não tem conhecimento de nenhuma queixa que lhe tenha chegado em que tenha sido dada como provada a prática da manobra de Kristeller, tal como é atualmente descrita, ou da realização de episiotomia de rotina, ou de qualquer outra intervenção desnecessária, por especialistas de Ginecologia e Obstetrícia”, adicionando que “Portugal continua a ser um dos países do mundo com melhores cuidados de saúde materno-infantil”.