“Diz o senhor Ferro Rodrigues que os portugueses que resistem à injecção da morte devem mudar de atitude. Pois bem, o Senhor Ferro Rodrigues é um pedófilo. O senhor Ferro Rodrigues é um abusador sexual de crianças. Preferencialmente, crianças institucionalizadas, que merecem a protecção do estado, mas entregues à oligarquia nepotista e cleptocrática que dirige este país, tal como o senhor Ferro Rodrigues“, começou por acusar o juiz anti-confinamento Rui Fonseca e Castro num vídeo publicado no YouTube e posteriormente divulgado na página Habeas Corpus, no Facebook, na manhã da passada quarta-feira. Assim, no dia seguinte, o presidente da Assembleia da República informou o Conselho Superior de Magistratura (CSM) de um "vídeo atentatório da sua honra".
O magistrado terá proferido estas declarações porque o nome do antigo líder do Partido Socialista esteve implicado no Processo Casa Pia. A título de exemplo, em maio de 2003, o semanário Expresso indicou que quatro crianças alegavam ter visto Ferro Rodrigues em locais onde os abusos sexuais tinham lugar. No entanto, o jornal explicou que não havia evidências de que o político estivesse envolvido pessoalmente no caso. O político apresentou queixa em tribunal por difamação contra duas das testemunhas que o implicaram e, consequentemente, o tribunal e instâncias superiores a quem foi pedido recurso não pronunciaram as duas testemunhas por "por falta de provas" e porque "não estavam preenchidos os elementos do tipo de crime que fundamenta a queixa [de difamação]". A seu lado, em julho de 2006, o jornal Público noticiava que Paulo Pedroso e Ferro Rodrigues estavam referenciados pelas autoridades.
“Acham que o senhor Ferro Rodrigues está preocupado com a saúde pública? Acham que o senhor Ferro Rodrigues está preocupado com qualquer um dos portugueses? O senhor Ferro Rodrigues deveria mudar de atitude. O senhor Ferro Rodrigues deveria mudar de atitude, tirando a sua própria vida. Se lhe resta algum pingo de vergonha, o senhor Ferro Rodrigues deveria tirar a sua própria vida. O senhor Ferro Rodrigues deveria mudar de atitude”, perguntou Fonseca e Castro, tendo obtido quase 800 reações na rede social anteriormente referida. No entanto, segundo o gabinete do presidente do parlamento, o visado "levou já ao conhecimento do Conselho Superior de Magistratura, através do seu Presidente e Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para os devidos efeitos, o vídeo atentatório da sua honra que o Juiz Rui Fonseca e Castro publicou no seu canal no Youtube, salientando a gravidade das declarações contidas no referido vídeo, que, além do mais, se afigura constituírem um crime público".
Incentivando o dirigente ao suicídio e sugerindo que o mesmo abusa sexualmente de menores, Fonseca e Castro viu o vídeo, pelas 18h de ontem, ser eliminado do YouTube, surgindo a mensagem "este vídeo foi removido por violar a política do YouTube relativa a assédio e bullying", pois a equipa da plataforma esclarece, online, que "não é permitido publicar no YouTube conteúdo que ameace pessoas (…) que persiga um indivíduo com insultos contínuos ou maliciosos com base em características intrínsecas". Deste modo, apela a que os utilizadores façam uma denúncia quando se deparam com conteúdos que violam as políticas do YouTube.
Entretanto, o CSM admitiu abrir um processo disciplinar contra o juiz Fonseca e Castro ou ampliar o objeto do processo em que está suspenso. Em declarações à agência Lusa, o CSM avançou que "os novos factos com relevância disciplinar podem dar origem a novo processo disciplinar ou ampliarem o objeto do processo já existente (contra o juiz Rui Fonseca e Castro) dependendo da fase em que se encontra o primeiro processo disciplinar", lembrando igualmente que o magistrado "encontra-se suspenso na sequência de processo disciplinar que contra ele corre termos, processo esse que nos termos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) tem caráter reservado até ao seu trânsito".
Recorde-se que, no passado mês de março, o CSM decidiu suspender preventivamente o juiz Rui Fonseca e Castro, fundador do movimento Juristas Pela Verdade e atual líder da página Habeas Corpus, que contesta o estado de emergência, enquanto decorre o inquérito aberto à conduta do magistrado. O juiz, então em funções desde 1 de março no Tribunal de Odemira, depois de nove anos de licença sem vencimento, começara a incentivar os seguidores ao incumprimento das regras do estado de emergência em vídeos publicados nas redes sociais dos movimentos anteriormente referidos.
Apesar de ter sido suspenso de funções por posições negacionistas sobre o uso de máscaras e apelo ao incumprimento das medidas de confinamento em pandemia, recebendo um processo, no qual foi determinada a sua suspensão preventiva num prazo de 180 dias, terminando em setembro. Contudo, em junho, o juiz entregou contestação ao processo disciplinar, tendo sido ouvido, a 16 de abril, na sequência do mesmo. É de referir que para o CSM, as posições levadas a cabo pelo juiz durante a pandemia são “sustentadas em teorias da conspiração”.