Tenho passado algum tempo a ver os vídeos dos Ocie Elliott. Os Ocie Elliott são um dueto canadiano composto por um casal de namorados que faz versões de músicas indie folk, dentro de um carro, sempre com fundos idílicos: ora vidros embaciados, ora mar, ora prados. Os dois, olhos nos olhos, numa cumplicidade quente, sussurram canções em que se nota mais a dança das almas do que a dos timbres. Há desejo e há amor a cada segundo: o sentido da vida, ali mesmo.Enche-me as medidas da definição de beleza: não aquela transcendente que encontramos na poesia ou em Wagner, mas a de beleza moderna – que enche medidas mas não esborda. Aquela que, em princípio, não é mais do que aquilo, mas que só o facto de a ser, em primeiro lugar, já é suficiente. Aquela que, com treze anos, aquando das primeiras cavalgadas pelas madrugadas adentro na internet (que, entretanto, se tornaram casa), nos rebentava o coração com vontade de viver a vida a la Cristopher McCandless e encontrar amor. Chamemos-lhe beleza Tumblr.
Entretanto cresce-se. Não nos corrompemos necessariamente. Mas moldámo-nos minimamente, sempre com a certeza de que um dia finalmente faremos ‘aquela viagem’. Sempre convencidos de que ‘não somos como os outros’. As leituras passam a ser mais rijas, como que carne dura de mastigar. A beleza Tumblr dos Ocie Elliott passa a ser julgada infantil – «que fase», dizemo-nos. Assaltam-nos pensamentos que nos rompem estruturas outrora sólidas: morais, afetivas, sexuais. Consolidamo-los com leituras frustradas, numa busca obsessiva por algo que não existe. «There is no there». Fases mórbidas – alguns, vidas – em que há um fétiche pela tristeza e pelo negro. Em que se pretender expurgar a vida de qualquer beleza. Em que interessa mais desconstruir – e, por isso, esvaziar – o conceito de amor maternal do que o sentir. Penso ter sido o Nelson Nunes que há uns meses escreveu no Público uma crónica a valorizar o amor maternal. Prontamente veio outro intelectual atormentado procurar desconstruí-lo até ao tutano, imagino que dizendo que o amor de uma mãe é fomentado pelo medo da solidão e pelo seu ego, logo jamais puro como o celebramos. «Em geral, as mães, mais do que amar os filhos, amam-se nos filhos», dizia Nietzsche. No fundo de mim, até acredito que os últimos tenham alguma razão. Mas quero lá saber da razão. Quero é amor, nem que seja movido a energia eólica. Já passámos a fase de acharmos o mundo perfeito.
Entretanto crescemos mais e percebemos que, afinal, o amor – como aquele do Tumblr, que menosprezáramos – é bonito e deve ser alimentado, ao invés de esvaziado intelectualmente. Para quê fazê-lo? Mesmo que se chegue à ‘verdade’ e à ‘razão’, o que valem essas ao pé do amor? De que vale a inteligência e perspicácia se só nos autodestroem? Porque não nos ficamos pela beleza, venha esta do Wagner ou dos simples Ocie Elliott? Porque insistimos sempre em ir necessariamente mais longe? Porque não aprendemos que, mais do que a verdade, interessa o que sente o espírito? E se o que este sentir for positivo, de que vale escavar até ao centro da terra a tentar perceber porquê? Aceitar a beleza. Evitar matá-la com tratados filosóficos que, para além de sobrestimarem a razão, só assinam infelicidade.
Deem-me marés sem me explicarem a influência da Lua. Tragam-me brisas sem me explicarem o funcionamento dos ventos. Mostrem-me beleza sem me explicarem a Estética. Deem-me amor sem me explicarem a razão. Se é amor, basta: quero sentir, não saber a verdade sobre o que sinto. A beleza é simples, descomplicada e feliz. Não é Tractatus Logico-Philosophicus, é Tratumblr Simplus-Amoroticus.