Mesmo incompleta, a igreja da Sagrada Família, em Barcelona, nunca deixou de atrair de multidões: antes da pandemia, o número de visitantes oscilava entre os 12 e os 15 mil por dia. Atualmente é cerca de um terço desse valor.
Mas a covid-19 não afetou apenas o turismo, impôs também uma pausa nos trabalhos de construção do templo, comprometendo a conclusão prevista para 2026, ano em que se celebra o centenário da morte do arquiteto Antoni Gaudí. Com o estalar da crise sanitária, pararam as obras e a principal fonte de rendimentos do histórico monumento, os ingressos vendidos, sofreu um revés significativo.
Agora é preciso recuperar o tempo perdido e reunir os 374 milhões de euros necessários para concluir o projeto idealizado em 1883 por Gaudí.
Além das obras na fachada da Glória, onde serão gastos 149 milhões de euros, há que erguer a torre de Jesus Cristo, a mais alta do templo, e a torre dos Evangelistas, cada uma das quais orçamentada em 44 milhões de euros.
Os valores constam na documentação enviada pela Sagrada Família à Câmara Municipal de Barcelona há mais de dois anos e agora divulgadas pelo El País. Foi no dia 6 de junho de 2019 que a construtora encarregue da obra obteve a licença camarária, pela qual teve de esperar 137 anos (foi solicitada em 1885). Regularizar a situação teve um custo de 4,6 milhões de euros, mas permite retomar os trabalhos no monumento, que possui um terreno edificável em 53.495 metros quadrados.
Os 4,6 milhões de euros correspondentes ao Imposto de Construções, Instalações e Obras (ICIO) e as taxas de licença das obras foram calculados pela Câmara com base nos encargos totais. Mesmo assim, a construtora beneficiou de uma bonificação de 65% no imposto por se tratar de um equipamento religioso. A taxa de licença da obra, por sua vez, foi liquidada por 241 mil euros.
Quem não concorda com a benesse é a associação de vizinhos afetados pela construção da Sagrada Família, um movimento que defende os cidadãos atingidos pela construção do templo. Em 2019 já se haviam pronunciado acerca da construção de uma escadaria na fachada da Glória, considerando-a desnecessária e “faraónica”. Agora, denunciam à autoridade tributária aquilo que consideram ser um “inaceitável trato de favor fiscal aos promotores do edifício”.
Segundo o El País, a associação entende que o imposto pago não corresponde ao valor que devia ser cobrado: “A finalidade da licença de obras é essencialmente a legalização das obras executadas durante anos sem licença nem autorização de nenhum tipo. Não estamos apenas perante uma licença de grande reabilitação, mas sim uma licença de restauração da legalidade urbanística”, escrevem na denúncia.
Defendem que ao monumento, por nunca ter disposto de uma licença de obras outorgada pela Câmara Municipal de Barcelona, deveria ser aplicado um ICIO correspondente a “todo o edifício e não só às obras pendentes de execução”. A seu ver, aplicar o ICIO apenas sobre obras futuras comporta um “inaceitável favor fiscal aos promotores do edifício, que não tributariam pelas obras executadas sem licença”.
Os assinantes da denúncia recorreram não só da concessão da licença de obras — apelando aos serviços tributários municipais para que “procedam à inspeção dos custos reais das obras executadas” —, mas também o plano para a conclusão do edifício.
As fontes municipais apontam que a liquidação realizada inclui quer as obras previstas, quer as realizadas nos últimos anos — sem precisar desde quando. Relembram ainda que o ICIO entrou em vigor em Espanha em 1989.
O aumento da chegada de turistas a Barcelona nas últimas semanas permite perspetivar melhorias na edificação das obras, que foram retomadas no início deste ano. O objetivo agora, de acordo com planos previstos pela construtora, passa por finalizar a torre da Mare de Déu ainda em 2021.
* texto editado por José Cabrita Saraiva