Depois de um recorde no ano passado, o trabalho extraordinário no Serviço Nacional de Saúde (SNS) nos primeiros seis meses do ano, marcados pela resposta à pandemia, superou o balanço dos primeiros seis meses de 2020, sobretudo devido ao aumento da necessidade de recurso de trabalho extra nos primeiros meses do ano. No início do ano passado ainda não havia casos de covid-19 em Portugal e 2020 começou assim relativamente normal no que toca ao recurso a trabalho extra – pese o facto de as horas extraordinárias já estarem a aumentar antes da pandemia. O acréscimo de trabalho verificar-se-ia nos meses seguintes, marcados por maior pressão nos serviços e mais ausências no trabalho por motivo de doença (e isolamento). Este ano, a necessidade de maior recurso a trabalho suplementar para garantir as escalas dos serviços começou a verificar-se desde janeiro, a altura mais crítica da pandemia, mantendo uma maratona que já vinha do ano anterior e que pelo segundo ano consecutivo coloca os profissionais a fazer mais trabalho extraordinário do que em qualquer ano até aqui.
De acordo com os dados disponibilizados no Portal da Transparência do Ministério da Saúde, que o i analisou, até junho foram feitas quase 11,5 milhões de horas de trabalho extraordinário no SNS, mais 41% do que no primeiro semestre de 2021. O maior aumento da carga de trabalho para os profissionais, que por lei têm de fazer até 200 horas de trabalho suplementar por ano no caso dos médicos e 150 horas no caso dos enfermeiros, verificou-se nos primeiros três meses do ano, em que foram feitas mais do dobro das horas extra do que seria um primeiro semestre “normal”, usando por comparação 2019 e 2020. Ainda assim, no segundo semestre continuou a verificar-se um aumento de trabalho extraordinário face ao que eram os valores pré-pandémicos e, mantendo-se este ritmo, 2021 poderá superar o volume de trabalho suplementar de 2020.
No ano passado, foram feitas um total de 17,3 milhões de horas extraordinárias no SNS (em 2019 tinham sido 14,5 milhões) e este ano os primeiros seis meses já têm um saldo de quase tantas horas de trabalho suplementar como os primeiros dez meses de 2020, com o período de outono/inverno a ser ainda em grande medida uma incógnita em termos de pressão sobre cuidados hospitalares e cuidados primários, a par da recuperação de atividade. Depois dos primeiros meses de 2021 mais condicionados pela covid-19, foram feitas mais cirurgias no primeiro semestre desde ano do que nos primeiros seis meses do ano passado, em que a atividade programada do SNS não urgente esteve praticamente suspensa – e superou-se a nível nacional ligeiramente o balanço de 2019, que tinha sido o ano com maior atividade cirúrgica no SNS. Ao todo, nos primeiros seis meses do ano, contabilizam-se 302 900 operações programadas, mais 91 mil do que nos primeiros seis meses do ano passado e mais 2 mil do que no primeiro semestre de 2019.
Neste momento ainda não há dados disponíveis sobre a distribuição de horas extraordinárias por grupo profissional, mais frequentes na urgência, blocos cirúrgicos e também cuidados primários, mas habitualmente os médicos são quem faz mais horas extra. Ao i Jorge Roque da Cunha, do Sindicato Independente dos Médicos, considera expectável o aumento e diz que demonstra que o reforço de profissionais no SNS é insuficiente, contestando que haja um aumento efetivo da força de trabalho no Serviço Nacional de Saúde. Segundo os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde, em maio o SNS contava 147 646 trabalhadores, mais 7910 do que no mesmo mês do ano passado, mas em abril e maio contabilizaram-se mais saídas do que entradas. Roque da Cunha alerta para as saídas de profissionais e para o risco de parte das vagas dos concursos para recrutamento de recém-especialistas lançados a 1 de julho ficarem por preencher, considerando que “medidas soviéticas” como as que durante a pandemia impediram a rescisão de vínculos de profissionais levam a que haja menos profissionais interessados em permanecer no Serviço Nacional de Saúde, bem como não haver concursos para progressão da carreira, formação ou a transição de USF do modelo A para modelo B, que garantem maiores benefícios aos profissionais.
Em termos de recursos humanos, outra das dificuldades sentidas nos hospitais prende-se com a contratação de enfermeiros, com vários recrutamentos a decorrer na área da grande Lisboa e maior concorrência com o setor privado.