Foi uma longa viagem que encantou milhões pelo mundo fora, acompanhada ao vivo, 24h por dia, graças a exames de drones e aos vídeos de fãs, muitos dos quais viraram virais nas redes sociais. Mas a aventura de 14 elefantes asiáticos selvagens, que percorreram mais de 500 km China a dentro desde o ano passado, parece estar a chegar ao fim, à medida que se aproximam do parque nacional de Xishuangbanna, à beira do rio Mekong, no sudeste do país. A manada foi sendo guiada pelas autoridades chinesas, que colocaram no terreno um aparato de mais de 25 mil agentes, evacuando autoestradas e pontes para abrir caminho aos elefantes, montando vedações elétricas e mantendo-os longe de áreas populadas com toneladas de comida estrategicamente colocada. De momento, já cruzaram o rio Yuanjiang, a uns 200km de Xishuangbanna, mas parecem estar finalmente a dirigir-se a casa, avançou a Associated Press. Pelo meio, tornaram-se símbolo do impacto do desenvolvimento da China, da extensão das áreas urbanas, industriais ou de agricultura intensiva, que deixaram espécies como os elefantes asiáticos cada vez mais isolados, em ilhas de paisagem natural – e com vontade de explorar o que existe lá fora.
“Não podemos ignorar o efeito do desenvolvimento rápido da economia local na perda de habitat da vida selvagem”, salientou Zhang Li, professor da Universidade Normal de Pequim e especialista em migrações de elefantes, citado pela Times. “Águas límpidas e montanhas verdes são tão valiosas como montanhas de ouro e prata. Um ecossistema saudável e completo é a base de um desenvolvimento económico sustentável”.
É um sentimento que foi ecoado por todo o país. As imagens da manada a dormir uma sesta à beira da floresta, a embriagarem-se ao comer grão fermentado, a surpreenderem idosos num lar, a espreitar para dentro de casas – até conseguiram abrir uma torneira num quintal, fazendo uma fila para beber água – e o nascimento de uma cria em novembro, no meio de Pu’er, uma cidade com 2,5 milhões de habitantes, encantaram o público.
As redes sociais chinesas, fortemente monitorizadas por Pequim, encheram-se de publicações a exigir medidas de proteção destes animais, à semelhança das iniciativas bem sucedidas para proteger os leopardos-das-neves e os pandas. A verdade é que sobram uns meros 300 exemplares de elefantes selvagens na China – ainda assim, são quase o dobro dos que existiam nos anos 90.
Já os habitantes locais naturalmente ficaram menos satisfeitos. Afinal, estima-se que os elefantes selvagens, enquanto devoravam colheitas e exploravam cidades, tenha feito estragos avaliados em quase um milhão de euros, segundo a CGTN, tendo mais de 150 mil pessoas sido evacuadas face ao seu o avanço.
No que toca aos cientistas, a aventura desta manada foi uma surpresa. É comum elefantes selvagens deslocaram-se, mas não centenas de quilómetros. “De facto, ninguém sabe porquê”, salientou Joshua Plotnik, professor de psicologia de elefantes no Hunter College, da City University of New York, à BBC. Uma das explicações apontadas pelos investigadores tem sido a possibilidade que uma elefante líder inexperiente – os elefantes vivem em sociedades matriarcais, com a fêmea mais velha a liderar as restantes avós, mães e filhas, com os machos a reboque – se tenha perdido.
Já Plotnik discorda. “Está quase certamente relacionado com a necessidade de recursos – comida, água, abrigo – e isso faz sentido porque, na maior parte dos sítios onde elefantes asiáticos vivem na natureza há um aumento das perturbações humanas, levando à fragmentação do habitat, à sua perda e a uma redução dos recursos”. Não se trata de um fenómeno novo. Aliás, um dos grandes motores do surgimento de novos vírus – como a covid-19, que se suspeita ter surgido do contacto de animais selvagens com humanos – têm sido fenómenos como a desflorestação, que obriga a fauna a fugir para áreas humanas.
Nos arredores do parque nacional de Xishuangbanna, que se estende por quase 250 mil hectares de floresta tropical, uma das grandes perturbações são plantações intensivas de árvore da borracha ou cana de açúcar. E esta última cultura é muito intensiva em calorias, muito mais do que a alimentação normal dos elefantes, que devoram 150 a 200 kg de comida por dia – ou seja, na prática talvez estejam a ficar viciados em açúcar, incentivando-os a vaguear até mais longe à procura de petiscos do género.
“O grande medo é que a intensidade do conflito entre humanos e elefantes possa começar como um incómodo e crescer ao ponto que pessoas ou elefantes são mortos”, acrescentou Plotnik, à Times. Apesar de matar um elefante ser um crime punível com pena de morte na China, “isso já acontece em alguns países na Ásia”, alertou. “E prevê-se um futuro terrível para os elefantes se não revertermos essa tendência”.
A grande odisseia desta manada ainda não terminou, mas por agora a reação das autoridades chinesas tem sido saudada como um sucesso, evitando situações de confronto com os animais. A sua arma secreta tem sido atrair os animais de volta a casa ao “espalhar comida com um aroma forte, como milho, ananás e bananas”, explicou Chen Mingyong, professor de Ecologia e Ambiente na Universidade de Yunnan, à National Geographic. “Ao mesmo tempo, estamos a bloquear as estradas que levam a vilas e cidades, essencialmente dando aos elefantes uma única opção, seguir a estrada que escolhemos”, continuou. É que o problema de abusar na comida deixada para os animais é que estes se habituem a comida produzida por humanos – incentivando-os a invadirem terrenos agrícolas ou áreas urbanas, podendo aumentar as tensões com a população local.