Arouca e a ‘Serra Encantada’

Os 60 metros da cascata da Frecha da Mizarela parecem bordados por mãos humanas, tal como as rochas que adornam as encostas envolventes e que rivalizam em perfeição com os muros que separam as terras de ninguém e as de alguém como os que se vêm da estrada que serve a aldeia da Castanheira onde…

Terça-feira, 10 de agosto. Na página dos Passadiços do Paiva na internet é  possível reservar bilhetes a 2 euros por pessoa com mais de 10 anos – até essa idade, as crianças não pagam. Mas para a Ponte 516, também em Arouca, junto aos Passadiços e na rota dos mesmos, no sítio da web  de reserva de bilhetes, a primeira data possível já é só dia… 22 de agosto – ou seja, mínimo de 12 dias de espera.

Quanto à tabela de preços, cá vai: 10 euros dos 6 aos 18 anos ou com mais de 65 e 12 para os adultos até aos 65 anos. Só com menos de seis anos é que é grátis, ou para os residentes no concelho.

Arouca está uma terra e peras. Tirando o majestoso convento, o intocável espigueiro na rotunda da estação de serviço e o sempre belo edifício da Câmara Municipal, modernizou-se a olhos vistos.

Os Passadiços são um must, a que se juntou agora a anunciada maior ponte pedonal do mundo. Atrai turistas bastos – sobretudo nacionais, mas não só. E receitas. São carros ruas acima e abaixo, com filas intermináveis.

O preço é simbólico, dizem. E a verdade é que ninguém parece dar por mal empregues os 2 euros para andar 8,7 km dos Passadiços à beira do Paiva ou os 12 euros para atravessar 516 metros de ponte sobre o mesmo rio que fica 175 metros abaixo.

A coisa, ao princípio, faz impressão e é imprópria para quem tem vertigens, mas, finda a experiência, a opinião é quase unânime: valeu a pena.

Pois sim. Não serão tolos? Dizem que não – e por aí me fico, que o que mais me impressiona é ver famílias inteiras a largarem umas boas dezenas de euros (fora tudo o resto) para andarem a subir degraus de perder a conta e a atravessar uma ponte suspensa que esperemos que nunca traga azar, com os adultos de bofes de fora e as crianças já impossíveis de aturar e, todos, de vermelhão nas faces e com as t-shirts, camisas ou vestidos encharcados em suor de tanto galgar.

Seja como for, os passadiços estão na moda, de norte a sul do país.

Como os baloiços com vistas para horizontes sem fim, porque as selfies à beira de precipícios já valem mais do que as com a companhia do Presidente Marcelo – quem já não a tem? –  ou de Cristiano Ronaldo – que vão começar a ser mais raras agora que o melhor do mundo se mudou da Avenida da Liberdade para o prédio da famosa marquise, numa bem mais sossegada rua acima do Marquês de Pombal.

Arouca é um magnífico exemplo de como uma terra pode desenvolver-se aproveitando a arte e o engenho de quem sabe tirar proveito dos ventos que sopram mesmo que nem sempre de feição.

Nunca o convento rendeu tanto, nem teve tantos curiosos ou visitantes como umas escadas de madeira montadas encostas acima e abaixo.

Geopark é o conceito milagroso que agora sim justifica que os locais chamem à Serra da Freita a ‘Serra Encantada’. E quem diz os naturais de Arouca, também os de Vale de Cambra ou de São Pedro do Sul, que igualmente beneficiam – ainda que não ao ponto dos primeiros, pioneiros – dos novos encantos da dita serra, com a cor dos euros que os turistas lá deixam.

Em poucos quilómetros – e desta vez sem ser preciso abrir a carteira – podem percorrer-se umas boas dezenas de quilómetros, a pé, de bicicleta, de mota ou de carro, e visitar um conjunto único de geossítios que merecem ser visitados.

Do miradouro da Frecha da Mizarela à Panorâmica do Detrelo da Malhada ou a S. Pedro o Velho. Não são vistas para o infinito, mas são quase.

Os 60 metros da cascata da Frecha da Mizarela parecem bordados por mãos humanas, tal como as rochas que adornam as encostas envolventes e que rivalizam em perfeição com os muros que separam as terras de ninguém e as de alguém como os que se vêm da estrada que serve a aldeia da Castanheira onde fica a casa das Pedras Parideiras.

E não vale virar costas sem conhecer (com o devido cuidado nos caminhos mais estreitos) aldeias como a da Paradinha, Meitriz ou Canelas ou até mesmo a desabitada e bem menos acessível Drave, onde nunca chegou a eletricidade, a água canalizada, os correios ou o telefone, e cujas casas de xisto mal se distinguem das rochosas encostas não fora a capela sobressair caiada (‘Aldeia Mágica’ chamam-lhe os escuteiros que a mantêm desde que virou fantasma – seja!).

Arouca soube mesmo transformar o infortúnio dos incêndios numa oportunidade para explorar o turismo ecológico. E prospera.

É um fenómeno!

Confesso que pagava para não ter que fazer os Passadiços. Mas eu sou só um e, mesmo assim, não deixei de os ir ver (de outro modo, nem me atreveria a sobre eles escrever). Como não deixei de contemplar a beleza da ‘Serra Encantada’, o melodioso silêncio da Frecha da Mizarela, a harmoniosa arte daquelas encostas e vistas sem fim, porque vão para além do Atlântico e do que os olhos alcançam…

Sim, sem preço.

E assim, mesmo para quem não seja fã de passadiços – e eu não sou –, Arouca e a ‘Serra Encantada’ são um belíssimo exemplo e valem mesmo a pena!