É verão em Portugal. Retornam os Michaels da França. Inchados como galos, exibem os seus ‘bêémes’ nas diferentes Póvoas de Varzim do país. Não me interpretem mal. Eu não os ridicularizo: eu amo-os. Há beleza para lá do azeite: não nas suas jantes escuras, com certeza, mas no orgulho com que as exibem. As circunferências que os seus pneus traçam no Burger King da Maia são análogas às que os nossos cartógrafos traçavam quando descobriam o mundo. Só que agora, em vez de ser um nobre infante ao leme de uma caravela que descobre o mundo, é um Jean-Pierre Silva com um dente de ouro ao volante de um biturbo 4000GTI que procura descobrir a cor da roupa interior das vossas irmãs (ou seja, o mundo?). Vivem o ano todo em poupança para chegar o Verão e esbanjarem o seu dinheiro no mesmo tasco da aldeia. Não lá vão por ser bom, vão por de lá nunca terem saído. E isso é bonito: chama-se Portugal e chama-se ser português.
É verão em Portugal. Os ‘bem’ dividem-se entre Vila Nova, Moledo, Comporta e São Martinho. Alguns vão para o Ancão e misturam-se com famílias de industriais do século XX. Os pais não gostam, mas fecham os olhos (agora são modernos e querem que os filhos ‘sejam felizes’; além disso, estes casamentos dão jeito para recuperar os telhados das quintas). Nas noites quentes da Quinta do Lago, esta explosiva misturada corteja as Teresinhas com as suas camisas de manga-curta e padrões floreados. Outros, certamente pouco ‘bem’, evidenciam o facto de "os seus ténis" darem para "pagar o salário do porteiro" que não os deixava entrar. Durante a fatídica viagem do Hide Pool Club para o Cuá Cuá, este cocktail une-se numa cruzada e numa cruzada só: estarem "fartos da pandemia" e chorarem, de mão dada e com pacto de sangue, de o "Bliss estar fechado". No dia a seguir, invejam a "parola da Nana" e o seu sushi do SkyValley, fazendo questão de lá ir na seguinte semana para marcar posição no Insta. É verão no Algarve: a antiga elite, outrora glamorosa (?), hoje escrava da passadeira vermelha das redes sociais e ajoelhada perante a labreguice do dinheiro. E isso é bonito: chama-se Portugal e chama-se ser português.
É verão em Portugal. O Palma diz que parou de beber e o Reininho já não consegue falar. Não sei qual dos dois mais mente. O Marcelo continua a mergulhar no Algarve (e não na Quinta do Lago). Os nortenhos que vão ao Sul fazem questão de pedir "finos" e os sulistas que vão ao Norte fazem questão de pedir "imperiais". As pessoas ficam com ar de agosto. Os adultos normalizam levar t-shirts com bonecos para a praia. O azul dos cartazes de gelados da Nestlé continua a ser mais refrescante do que os mergulhos no mar. As placas de Nitrato de Chile continuam a ser o maior easter egg da portugalidade. Os néons das nacionais ficam mais coloridos.Os bifes insistem no seu movimento de anexação algarvia sem perceberem que bermudas não mandam estilo. A Madeira volta a cheirar a Brisa. Voltam as manhãs à porrada por pão-com-panado na Padaria de Caminha. Os barcos continuam a poluir o Douro e Monte Gordo continua a ser poluição visual. Lisboa fica entregue aos turistas e às famílias sem rendimentos para gozar férias. Brinda-se muito. Os portugueses continuam pobres, mas felizes. E vaidosos. E isso é bonito: chama-se Portugal e chama-se ser português.
Guimarães, 15 de agosto de 2021