«Sei que te peço muitas coisas e que não as podes fazer todas, mas será que me consegues arranjar um amigo de verdade?», pede o pequeno Joaquim sempre que reza ao final da noite. Depois, sonha com meninos da sua idade com os quais brinca.
No entanto, certo dia, conhece uma cria de lobo ibérico, travando uma forte e inesperada ligação com o animal, apesar de viver «numa aldeia onde se alimentava o ódio pelo lobo, este era perseguido e caçado». É este o resumo d’O Bem de Um Lobo, fábula que tem o objetivo «de apelar, aos mais jovens e não só, à necessidade de conservação do lobo ibérico na Península Ibérica, uma espécie atualmente considerada em perigo em Portugal».
Quem o explica é Fernando Teixeira, jovem fundanense, de 25 anos, autor da obra lançada em maio e licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, mestre em Gestão pela Universidade da Beira Interior e que sempre nutriu uma paixão pelo mundo da comunicação e, por esse motivo, passou por órgãos de informação como a Rádio Cova da Beira, o Diário de Aveiro e a Comunidade Cultura e Arte.
«Trabalho como assessor de comunicação na Rewilding Portugal, uma associação de conservação de natureza e temos uma vertente dedicada a garantir que o lobo ibérico tem condições para subsistir em território nacional. Por ação direta do homem, o lobo desapareceu diretamente de todo o território de Portugal exceto de uma área específica a Norte do rio Douro», explica o rapaz que recorda que, anteriormente, era «um projeto de ambientalista».
«Sempre quis saber mais sobre o assunto, mas não tinha disponibilidade, mas fui-me apercebendo de que muitas crianças a sul do rio Douro não fazem ideia de que o lobo habitava aquelas terras há cem anos. Quem se lembra são os avós deles e, por vezes, nem esses eram nascidos», diz, referindo-se ao facto de que esta subespécie, com a designação científica de Canis lupus signatus e descrita em 1907 pelo zoólogo espanhol Angel Cabrera, é, muitas das vezes, esquecida ou totalmente desconhecida pelos próprios portugueses.
Exatamente por ter noção deste panorama, a equipa do projeto LIFE WolFlux, coordenado pela Rewilding Portugal, decidiu levar a cabo um estudo para perceber quais são as reações das populações locais em relação ao lobo. «Compreender a realidade no terreno e ouvir as comunidades locais é extremamente importante para orientar os esforços de conservação na região», elucidaram em comunicado enviado às redações em julho do ano passado, assinalando que o LIFE WolFlux, comparticipado por fundos comunitários e pelo Endangered Landscapes Programme, tem como meta primordial «promover as condições ecológicas e socioeconómicas necessárias para garantir a viabilidade da subpopulação de lobo ibérico a sul do rio Douro a longo prazo».
Por isso, o estudo, realizado entre agosto de 2019 e abril de 2020 procurou «perceber melhor os principais problemas relacionados com a presença do lobo» na região. Assim, foram entrevistadas 117 pessoas que têm relação com a espécie, em 20 freguesias distintas, incluindo criadores de gado, gestores de caça e técnicos de conservação.
«Praticamente metade dos entrevistados considera que é possível que o lobo viva na região, mas apenas sob certas condições, por exemplo o pagamento de compensações por prejuízos causados, ou a disponibilidade de habitat e alimentos para a espécie», revelou a equipa, provando que os dados apurados mostraram que é imperativo «melhorar» o esquema nacional de compensação de prejuízos.
Importa igualmente referir que, à semelhança do pai de Joaquim e dos restantes amigos caçadores, cerca de um quarto dos responsáveis entrevistados «mostrou alguma intolerância em relação à presença de lobos», algo que leva a que se constate «a diversidade de opiniões encontradas» e a necessidade de trabalhar no terreno, em conjunto com as autoridades locais, para detetar a origem dessa inflexibilidade.
«O que é vivido por um vizinho espalha-se rapidamente nas comunidades, principalmente entre os seus pares, e tem uma grande influência nas opiniões dos outros», assinalou Sara Aliácar, técnica de conservação da Rewilding Portugal e uma das entrevistadoras do estudo.
«Também constatámos que o medo do lobo estava associado à intolerância […]. O medo do lobo pode ter muitas origens, mas descobrimos que os entrevistados que tiveram uma experiência positiva ao ver um lobo na natureza perceberam que este não tem nada a ver com o animal feroz sobre o qual ouviram falar», sublinhou a dirigente no comunicado anteriormente referido.
A seu lado, o recurso a cães de gado como defesa face a ataques de lobos, uma das apostas do LIFE WolFlux, foi encarado com bons olhos pela maioria, mas os mesmos têm de ser de raças portuguesas adequadas, como os Serra da Estrela ou Castro Laboreiro.
«Embora um grande número de atores locais demonstre tolerância em relação ao lobo, menos de metade mencionou alguma vantagem na presença deste predador no território. A atração de turistas foi mencionada apenas por alguns atores-chave», evidenciou a Rewilding Portugal, acrescentando que, apesar de este turismo ser raro em Portugal, na vizinha Espanha trata-se de «um setor lucrativo e bem estabelecido, que leva muitas pessoas a regiões como a Serra da Culebra, na esperança de ver este animal elusivo».
Em território nacional, a Dear Wolf, empresa composta por biólogos especializados em vida selvagem, foca-se no ecoturismo, na consultoria e investigação, na educação e formação, proporcionando passeios guiados pelos profissionais suprarreferidos «que garantem que as melhores práticas são seguidas e que os animais não são perturbados».
‘O título O Bem de Um Lobo opõe-se ao ódio que se sente por este animal’
«O Joaquim é a típica criança da região da Beira. O espaço foi estudado e identifico-o a partir das memórias da minha infância. Por exemplo, a cruz que se encontra por cima da cama da personagem principal é aquela que via em casa das minhas bisavós», avança, adiantando que, à medida que foi realizando as sessões de apresentação do livro juntamente com a ilustradora Carolina Baptista, jovem de 22 anos natural da aldeia de Sentieiras, em Abrantes, e estudante de Arte e Design no Instituto Politécnico de Coimbra, foi compreendendo que as crianças «não conheciam a natureza que as envolve. Conhecem mais aquilo que está longe do que a flora e a fauna portuguesas».
Na ótica de Fernando, tal deve-se ao facto de «o currículo de ciências estar muito voltado para uma ideia global, mas precisamos de uma ideia de proximidade. Na Serra da Estrela, temos o Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens. São encontrados debilitados e ajudados a voltar à vida selvagem. Excetuando as escolas de Gouveia, nenhuma faz uma visita de estudo ao mesmo, mas vão ao Jardim Zoológico de Lisboa», critica o também doutorando em Agronegócios e Sustentabilidade na Universidade de Évora
«Por estes motivos, o livro serve para colocar os miúdos mais próximos da natureza em Portugal. Já fizemos sete apresentações do livro e não lemos excertos nem fizemos resumos. Começámos por explicar a razão pela qual preparámos esta obra e procurámos que fizessem perguntas», até porque «o lobo que costumamos ver é o americano, muito grande, e não o ibérico. Fazemos um jogo de fotos para que identifiquem esta subespécie e a conheçam», acrescenta, esclarecendo que, na segunda parte, Carolina mostra as ilustrações que fez e os dois adiantam «o porquê de as roupas serem de determinada forma, de existir o pelourinho, de haver o tanque para lavar a roupa».
«Quisemos que o livro se tornasse interessante e didático simultaneamente. Já que o Joaquim representa todas as crianças que estão a ler o livro, o lobo representa todos os lobos ibéricos e, por isso, não lhe atribuí um nome para que exista uma universalização e não uma personificação ainda maior do animal», declara, constatando que a União de Freguesias de Covilhã e Canhoso, o Município da Covilhã, assim como o do Fundão e o de Abrantes aderiram de imediato à ideia de apoiar Fernando e Carolina.
«O sim foi automático», tal como o dos media partners Jornal Fórum Covilhã e Comunidade Cultura e Arte, algo que o escritor e a ilustradora prezam porque, desta forma, conseguiram chegar aos pais e não às crianças como habitualmente.
De acordo com dados disponibilizados no site da Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico, este é um mamífero da família dos canídeos.
Sendo um carnívoro de grande porte, somente ultrapassado na Europa pelo urso pardo, é o canídeo selvagem de maiores dimensões da atualidade. «O lobo ibérico caracteriza-se por ser mais pequeno que o lobo presente no resto da Europa e pela pelagem mais amarelo-acastanhada. A mudança para pelagem de verão ocorre no início da primavera, com a redução da densidade e tamanho do pelo e em outubro dá-se início à mudança para a pelagem de inverno. A pelagem de inverno fica mais densa e comprida, conferindo ao lobo uma maior resistência às condições meteorológicas do outono e inverno e uma aparência mais corpulenta», lê-se, sendo que apresenta uma lista negra no dorso, outra nos membros dianteiros e, em adulto, pesa entre os 25kg e os 40kg, tendo uma aparência imponente.
Contudo, tal não significa que a única característica que lhe possa ser associada seja a perigosidade. «O título O Bem de Um Lobo opõe-se ao ódio que se sente por este animal e acaba por ser realista: não estou a dizer que o lobo é só bom. É uma espécie carnívora.
É legítimo que exista algum ódio das comunidades locais porque o animal não tem carne para comer no seu habitat e aproxima-se dos seres humanos. Porém, não nos esqueçamos de que tem um papel importantíssimo nos ecossistemas em Portugal”, salienta Fernando, realçando que, deste modo, torna-se importante, mais do que nunca, “trabalhar na consciência de futuro», mas também «formar os adultos do presente para uma consciência ambiental».
«Para o ano, vamos fazer apresentações por escolas de todo o país. O nosso objetivo é ir a pelo menos a uma escola de cada distrito. É o primeiro livro sobre o lobo ibérico que ganhou esta projeção», confessa Fernando, admitindo que está a pensar escrever sobre outras espécies, nomeadamente, acerca do saca-rabos, um mamífero de distribuição invulgar na Europa, estando mais presente no Sudoeste da Península Ibérica, ocupando terrenos rochosos com vegetação e campos de cultivo, possuindo uma ementa carnívora – alimenta-se essencialmente de coelhos juvenis, ratos, aves, cobras e ovos –, mas cujo estado de conservação é pouco preocupante, ao contrário do do lobo ibérico.
«Mas o próximo desafio será desmistificar o papel dos abutres. São aves necrófagas, mas têm uma importância extrema», descortina, reconhecendo que existem as espécies Grifo (Gyps fulvus) – pode chegar aos dois metros e meio, apresenta penas castanhas escuras no centro e pretas nas extremidades e o seu estado de conservação no país é quase ameaçado –, o abutre-preto (Aegypius monachus) – é o maior abutre da Europa e tem uma plumagem castanha escura, estando criticamente em perigo – e abutre-do-Egipto (Neophron percnopterus) – é o menor dos três, tem uma plumagem branca e preta e está em perigo – que devem ser estudadas e apresentadas aos mais novos por meio da literatura, aliando o rigor científico ao imaginário infantil.