Bem cedo pela manhã do dia 29 de outubro de 1904, George Ludwig Friedrich Julius Eÿser começou a ganhar medalhas e só parou no final da tarde. No total foram seis: subida à corda (ouro); ginástica artística (ouro); barras paralelas (ouro); quatro especialidades de ginástica combinadas (prata); cavalo com arções (prata); barra horizontal (bronze).
Eÿser era alemão de origem. Nasceu em Kiel, no Schleswig-Holstein, no dia 31 de agosto de 1870. Foi, de certa forma, um menino dos papás: filho único de Georg Sophus Jasper Eÿser e de Auguste Friederike Henriette Eÿser, Marxen de solteira. Aos 14 anos de George, os Eÿser emigraram para os Estados Unidos e instalaram-se, inicialmente, em Denver, Colorado. O jovem Eÿser já tinha idade para ter sido fortemente influenciado pelo espírito espalhado por um tal de Frederick Ludwig Jahn e que afetou toda a juventude germânica desde o início do século XIX: o estabelecimento da ginástica como desporto nobre e nacional, com os centros de ensino (Turnverein, ou Escolas de Ginástica) cresceram como como cogumelos por todo o país.
Quando a família Eÿser trocou Denver por St. Louis, no Missouri, George já tinha obtido a cidadania americana e trabalhava como guarda-livros de uma empresa de construção civil. Os tempos livres, esses passava-os num clube local, o Concordia Turnverein Saint Louis, que, como é evidente, fora fundado pela comunidade alemã. Alimentava expectativas altas em relação aos resultados que poderia vir a obter. Quando se ficou a saber que os Jogos Olímpicos de 1904 teriam St. Louis como sede, o entusiasmo de George disparou até à mais distante das galáxias. Estava a viver o seu sonho de infância. E, no entanto, de um dia para o outro, tudo desabou. Ao atravessar uma linha de caminho de ferro, tropeçou, ficou preso nos carris, e um comboio que passava naquele momento arrancou-lhe a perna esquerda.
Medalhas!
Os Jogos Olímpicos de St. Louis foram os terceiros da Era Moderna e os primeiros em que surgiram as medalhas de ouro prata e bronze – nos anteriores era entregue um troféu ou um documento aos primeiros classificados.
Apesar do drama porque passou, George Eÿser recusou-se a entrar pelos labirintos negativos próprios de quem acabara de ser amputado de um membro tão importante do seu corpo, sobretudo para os exercícios que praticava.
Encomendou uma prótese de madeira à medida da perna perdida e trabalhou mais do que nunca no desenvolvimento muscular da parte de cima do tronco e no equilíbrio necessário para colocar a perna mecânica a movimentar-se ao ritmo da que lhe restava. Era um homem de ideias fixas e com uma força de vontade admirável.
Os Jogos de St. Louis foram de uma falta de organização lamentável e duraram vários meses, com as diversas disciplinas a serem disputadas em dias próprios para o efeito. Foi o que aconteceu com a ginástica a ser arrumada entre os dia 28 e 29 de outubro.
George era visto como uma espécie de extraterrestre. Sempre de calças compridas, para esconder a perna de pau, não cabia, para o comum dos observadores, na lista daqueles que deviam ser levados a sério. O início da competição pareceu dar razão aos céticos: na provas de nove eventos, que incluía uma série de disciplinas e três exercícios diferentes de paralelas, saiu-se francamente mal. Não foi além do décimo lugar, mas é preciso recordar que era um alemão e os alemães não têm o hábito de se deixar ir abaixo nem mesmo depois de mortos. Noutra série de exercícios que voltaram a incluir séries de paralelas à mistura com movimentos no chão, caiu ainda mais fundo: 71.º lugar. Depois, participou na prova do triatlo e ficou em último, com 8 metros no lançamento do peso, 15,4 segundos nos cem metros e 4 metros no salto em comprimento. Outro qualquer que não George Ludwig Friedrich Julius Eÿser teria regressado a casa com o rabo entre as pernas. Mas o dia seguinte seria, para ele, um novo dia.
Logo na terceira prova do dia, a de exercícios combinados, ficou em segundo atrás de Anton Heida, dos Estados Unidos (que também ganhou seis medalhas, cinco de ouro e uma de prata, mas com as duas pernas a funcionarem em pleno). Nas barras paralelas, George chegou ao ouro. As coisas corriam-lhe bem. Na barra fixa ganhou o bronze e, logo em seguida, no cavalo com arções, a prata atrás de Heida. Na subida da corda, não teve adversários à altura, tal como na ginástica artística e nas paralelas. Acabara de se tornar um fenómeno irrepetível. Havia nele o orgulho milenar dos nibelungos.