Assim que o avião que levava os últimos soldados americanos de volta para sua casa descolou da pista, viveu-se um ambiente de euforia no aeroporto de Cabul, onde foram disparados tiros para os céus e fogo de artificio em celebração.
Finalmente chegou o dia. O dia em que as tropas americanas abandonaram o Afeganistão. O dia em que os talibãs voltaram a reclamar a “independência total” do país que já tinham governado entre 1996 e 2001.
“Os soldados americanos deixaram o aeroporto de Cabul e a nossa nação obteve a sua independência total”, congratulou-se o porta-voz do grupo extremista islâmico, Zabihullah Mujahid, a repórteres presentes no aeroporto de Cabul.
“A América foi derrotada e, em nome da minha nação”, disse o porta-voz, “queremos ter boas relações com o resto do mundo”. Mujahid acrescentou ainda a promessa de que os talibãs “vão proteger a liberdade, independência e valores islâmicos” de todos os afegãos.
Duas décadas de ocupação que deixam tudo na mesma Os soldados norte-americanos desembarcaram no Afeganistão em 2001, logo após os atentados terroristas do 11 de setembro, quando quatro aviões foram desviados, tendo dois deles colidido contra as Torres Gémeas do World Trade Center, provocando cerca de 3 mil mortes.
Estes confrontos com o Afeganistão, que duravam há 20 anos, foram a guerra mais longa dos Estados Unidos e chegam ao fim depois do atual Presidente, Joe Biden, ter anunciado, em maio, que esta era uma “guerra impossível de vencer”.
Na sequência do anúncio de retirada das tropas americanas, os talibãs realizaram uma ofensiva imparável que só terminou em Cabul, capital do Afeganistão. O grupo insurgente nem sequer encontrou oposição.
A saída dos EUA deixa o Afeganistão de novo nas mãos dos talibãs, depois de terem derrubado o seu primeiro regime em dezembro de 2001, quando o grupo extremista se recusou a entregar o então líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden.
Retirada conturbada Assim que chegaram ao poder, os talibãs estabeleceram que as tropas internacionais deveriam abandonar por completo o país a 31 de agosto.
Os países procuram realizar esta missão o mais depressa possível. Mas encontraram diversos obstáculos pelo caminho, nem sempre eram colocados pelos talibãs.
A nova ameaça é o grupo Estado Islâmico de Khorasan (IS-K), constituído por ex-membros do Tehreek-e-Taliban Pakistan (Talibã do Paquistão) e por afegãos desiludidos com os talibãs que desertaram e que declararam lealdade a Abu Bakr al-Baghdadi, o ex-líder do grupo, morto em outubro de 2019 durante uma operação dos Estados Unidos na Síria.
Esta fação, além de repudiar os americanos, não aprova o estilo de vida praticado pelos talibãs – acredita que ‘venderam a alma’ ao aceitar negociar com os Estados Unidos, pelo seu aparente pragmatismo e o falhanço em aplicar a lei islâmica com “rigor suficiente”, escreve o Guardian.
O IS-K foi responsável pelas explosões provocadas por dois bombistas suicidas no aeroporto de Cabul, que fizeram mais de uma centena de mortos, inclusive dezenas de soldados americanos. Os Estados Unidos juraram vingança e realizaram uma operação com um drone contra um dos organizadores do ataque.
Mas as ameaças não ficaram por aqui. No domingo, depois de os americanos terem alertado para um possível atentado terrorista, as suas forças armadas realizaram um ataque com drone contra um veículo com “múltiplos bombistas suicidas”, que alegadamente visava a zona de evacuação no aeroporto de Cabul. Nesse mesmo dia, foi reportado que um rocket atingiu uma casa perto do aeroporto, disse o Ministério da Saúde do Afeganistão à BBC. A explosão fez cinco mortes, incluindo três crianças.
Na véspera de abandonarem o país, na segunda-feira, os Estados Unidos foram obrigados a recorrer a defesas antiaéreas para intercetar pelo menos cinco rockets que foram disparados contra o aeroporto de Cabul. Segundo uma fonte dos talibãs, este último ataque terá provocado vítimas civis, uma acusação que os Estados Unidos não foram capazes de refutar.
E os que ficam para trás? As autoridades dos Estados Unidos afirmaram, esta segunda-feira, que teriam capacidade para evacuar os cerca de 300 cidadãos americanos que ainda estavam no país agora sob o controlo dos talibãs. Mas quando chegou a data-limite o líder dos Comandos Centrais dos Estados Unidos, Frank McKenzie, revelou que não conseguiram extraditar todos os civis estrangeiros e afegãos que pretendiam abandonar o país tomado pelos talibãs.
“Não conseguimos trazer todas as pessoas que pretendíamos”, disse McKenzie, citado pela Al Jazeera. “Mas acredito que, mesmo que se tivéssemos ficado mais 10 dias, não teríamos conseguido retirar todas as pessoas”.
O último avião norte-americano, um C-17, descolou na terça-feira do aeroporto de Cabul, às 20h29 de Lisboa, segundo o Pentágono, colocando assim um fim à missão que permitiu a retirada de mais de 100.000 estrangeiros e afegãos a partir do aeroporto de Cabul.