Os rastreios oncológicos feitos nos cuidados primários de saúde continuam abaixo dos níveis pré-pandemia. O balanço até julho mostra que depois de um início do ano com menos utentes com os exames em dia, houve uma recuperação ao longo dos últimos meses mas o número de utentes com mamografias, papanicolaus e rastreios do colon-reto atualizados continua abaixo do que acontecia antes da pandemia e até mesmo quando comparado com julho do ano passado, altura em que muitos portugueses ainda tinham feito os exames em 2019 – o ano com mais atividade no Serviço Nacional de Saúde nesta e noutras áreas. Os dados disponíveis no Portal da Transparência do Ministério da Saúde revelam que em julho havia 480 846 mulheres com registo de mamografia nos últimos dois anos, o que compara com 555 141 em julho do ano passado e 581 245 em julho de 2019. Trata-se de uma quebra de 17% em relação a 2019. No caso das colpocitologias, o rastreio do cancro do colo útero através do papanicolau, havia 903 726 mulheres com o exame atualizado, o que compara com 1 015 126 no ano passado e 1 045 157 em 2019 (-13,6% do que em julho de 2019). É na área do rastreio do cancro colo-retal, habitualmente recomendado entre os 50 e os 74 anos de idade, que os números se aproximam mais dos níveis pré-pandémicos. Em julho havia 1 518 214 utentes do Serviço Nacional de Saúde com o rastreio do cancro colorretal feito, o que compara com 1 519 032 no ano passado e 1 564 882 em 2019 (apenas -3% do que em 2019).
Em toda a Europa, a diminuição dos rastreios oncológicos foi apontada como uma das consequências dos impactos da pandemia no acesso a serviços de saúde, com exames em intervalos regulares que visam o despiste precoce de doença oncológica adiados. Em Portugal, um levantamento feito pela consultora Moai para o Movimento Saúde em Dia da Ordem dos Médicos e da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares estimou que entre março de 2020 e fevereiro deste ano tenham sido feitos menos 450 mil exames de rastreio oncológico. A nível europeu, a organização European Cancer, que junta sociedades médicas e associações de doentes, estimou que tenham ficado por fazer 100 milhões de rastreios, com menos 1,5 milhões de doentes oncológicos referenciados e um milhão de casos de cancro por diagnosticar.
Mais rastreios organizados na região Sul
Vítor Rodrigues, presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro, considera que há muito para recuperar, nomeadamente em termos de referenciações hospitalares, mas no caso dos rastreios organizados, em que se pretende uma convocação de base populacional a todas as pessoas em idade para fazer exames de despiste regulares, sublinha que este ano a situação está melhor do que em 2020.
A Liga Portuguesa Contra o Cancro é responsável desde os anos 90 por rastreios organizados do cancro da mama, que passam pela convocatória de mulheres em idade para fazer a mamografia. A região Centro tem cobertura total desde 2001 e a região Norte desde 2018, bem como o resto do país. A região mais atrasada tem sido Lisboa e este ano avançaram novos protocolos com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, abrangendo a totalidade dos distritos de Lisboa e Setúbal. A expectativa é chegar a 400 mil mulheres nos próximos dois anos.
Vítor Rodrigues sublinha que garantir que os exames são feitos em intervalos regulares nos grupos etários em que são recomendados é a principal preocupação do programa, que consegue assim melhores resultados do que quando os exames são feitos pontualmente. Considerando que os rastreios organizados estão a funcionar melhor do que no ano passado, em que estiveram vários meses parados, o responsável sublinha que é necessário continuar a garantir o acesso e admite que a recuperação na área oncológica vai levar vários meses. “A perceção empírica que temos, porque ainda não existem dados consolidados a nível nacional, é que temos doentes a dar entrada com diagnósticos mais atrasados nos hospitais e com doença mais metastizada”. Os rastreios permitem a deteção precoce, mas o despiste de sintomas e sinais em consultas regulares de medicina geral e familiar continua a ser crucial, sublinha. “Penso que depois do susto da covid-19, as pessoas estão a perder o receio e a procurar fazer os seus exames, temos é de garantir que existe acesso”, diz.